sábado, 11 de novembro de 2006

Duas casas

Na casa em que moro sou acordado logo cedo pela algazarra alegre de muitos passarinhos. Pra falar a verdade, se não me obrigar a levantar, a cantiga deles, reforçada pelo cheiro das flores com primeiros raios de sol, aumentam a vontade de continuar na cama.

Na casa em que moro, nos dias mais quentes, costuma vir uma brisa do rio. Às vezes tenho de fechar a cortina por causa do sol e cortar a brisa pela metade, mas ela continua insistindo em enfunar o tecido leve e entrar pelo escritório refrescando os instantes de trabalho matinal.

Na casa em que moro, depois do almoço, o canto da rolinha “Fogo-pagou” convida a uns instantes de repouso, e fica difícil sair para as obrigações da tarde, que vai refrescando na medida que o sol desce atrás da casa vizinha.

Na casa em que moro, apesar de pernilongos e do abafamento normal das cidades cortadas por rios, as tardes são quietas. Os meninos saem da escola vizinha em tropel, mas o sol poente doura o Pico da Ibituruna.

Na casa em que moro, o cheiro das mangueiras floradas no começo da primavera e das mangas no verão entram no quarto e enquanto caem de maduras, a brisa do rio, aproveitando o silêncio da noite, traz, como se fosse um acalanto, o barulho das corredeiras.

E na casa em que morarei? Se nem olhos, nem ouvidos, nem a imaginação podem ter idéia do que me espera, que pensamentos poderei ter dela?

A casa em que morarei foi projetada pelo melhor arquiteto. Está sendo preparada pelo melhor construtor. Será adornada pelo “primeiro” jardineiro.

Se as manhãs daqui são doces e calmas, as de lá serão muito mais. Que aromas fabulosos superarão o das flores, ou o do café recém-coado? Que sabores substituirão o do pão de queijo ainda fumegante?

Se aqui a conversa com os sábios vem pela leitura, como será conversar pessoalmente com os que estarão lá?

Se as melodias daqui dependem de eletricidade e são a repetição mecânica de um som gravado, como será ouvir grandes cantores e músicos, com arte e competência, executarem na hora aquilo que a imaginação, livre dos limites, lhes proporcionará?

Se as tardes, iluminadas pelo vermelho do poente são arrebatadoras, como serão as tardes de um lugar que não necessita de Sol? Aliás, haverá tardes ou será um eterno amanhecer?

Se a brisa e o som que vem de um rio barrento, já enchem de paz e alegria a noite, como serão as brisas que virão do Rio da Vida? Como será o perfume da Árvore cujas folhas curará as nações?

Se hoje, cada manga que cai, qual relógio de parede, sem compromisso com a hora certa, faz lembrar a infância com suas aventuras e mistura as saudades do que foi com as saudades do que será, como serão as lembranças de lá? Cantamos nos lembrar das horas suaves de oração.

Certamente nos lembraremos de muito mais, e as lembranças que trouxerem lágrimas serão plenamente consoladas pela Santa Presença.

Fui plenamente convencido de que os sofrimentos do tempo presente não são para comparar com a glória que há de ser revelada. Hoje, creio, que muito menos os prazeres os serão.

2 comentários:

Anônimo disse...

Caro Reverendo

O senhor tem uma alma poética também. No princípio pensei ser apenas um texto nostálgico, mas depois conseguiu fazer uma linda ligação com a vida do porvir.

Parabéns.

Lendo o texto dá vontade de dizer como o meu pai que diz que as vezes "tem saudade do céu".

Um abraço

folton disse...

Oliveira;

Você nem imagina as saudades que tenho de lá ...