sábado, 16 de dezembro de 2006

Quando as palavras já não significam o que significavam

Com tanto para falar sobre a encarnação do Senhor e de como ele se tornou um de nós, preciso falar hoje sobre o caminho em que peregrinamos. Então, vamos lá.

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Há uma semana recebi um cartaz para colocar no mural. Azul claro, com um desenho estilizado de uma pomba no canto superior esquerdo, dá toda ênfase às palavras FRUTO DO ESPÍRITO escritas em estilo Vivaldi com letras douradas, bem rebuscadas.

Logo veio a minha mente a Carta aos Gálatas. Afinal, ali estava uma pomba (tradicional símbolo bíblico para o Espírito Santo desde o Batismo de Jesus) e, como na Bíblia, a palavra estava no singular: Fruto! Não frutos.

“Amor, alegria, paz, longanimidade, benignidade, bondade, fidelidade, mansidão e domínio próprio”? Não: Ballet, Jazz, Circo, Street Dance e Dança Contemporânea. Que podem até ser frutos de um espírito amante das artes, mas nunca serão o FRUTO DO ESPÍRITO de quem assumiu nossa natureza.

Preciosismo lingüístico? Não. Alerta contra a polissemia das palavras que, fora de seu sentido, passam a servir de recursos de marketing. Bem intencionado? Pode ser. Blasfemo? Sem dúvida.

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Duas semanas atrás, após uma série de curvas na estrada que leva à BH, duas crianças, que brincavam alegres durante toda a viagem, ficaram repentinamente quietas. Pai experiente de duas, tratei logo de puxar minha mala para o outro lado. Não demorou muito e as golfadas de vômito vieram. Vieram acompanhadas das imprecações da avó, que até então cuidou deles com desvelo.

As golfadas eram acompanhadas por exclamações assim: “ô bênção”, “esse menino(a) é uma bênção”, “o sangue de Jesus tem poder”, “ah, Jeová, tem piedade”, etc.

Saí desolado: O cheiro nauseante do vômito e meus sapatos pisando nele, eram nada perto do que ecoava e repetia-se em meus ouvidos.

Perdi a paciência: “Minha senhora, pelo simples vomitado das crianças a senhora invoca o sangue de Cristo e chama de bênção aquilo que no fim a senhora queria chamar de outra coisa”?
“Melhor do que dizer palavrão”, respondeu ela.

“Mas a Senhora os disse. E disse pior. Pecou duas vezes, pois além de dizê-los ainda os fez com o nome do Senhor. Seria melhor não dizer nada. Toda criança, sob essas circunstâncias, costuma vomitar”.

Exercício explícito de “chatice”? Não. Absolutamente não: “Ai dos que ao mal chamam bem e ao bem, mal; que fazem da escuridade luz e da luz, escuridade; põem o amargo por doce e o doce, por amargo!”

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Queremos ser mais motivados a vir às reuniões da Igreja! Dizia, do alto de sua idade, uma senhora crente, de cuja piedade já me servi muitas vezes como exemplo. Talvez saudosa das estrelinhas que ganhávamos quando criança, todas as vezes que trazíamos a revista e a Bíblia à Escola Dominical, ou, quem sabe, precisasse daquele ânimo dos comerciais “seus problemas acabaram”, que repetem à exaustão as qualidades de um produto, sempre entrecortado pelo refrão “ligue já” ou “se você ligar agora...”.

Eu não sabia o que responder – as vezes fico abestalhado diante de algumas situações – e acho que não respondi. Mas fiquei pensando em como as comunicações entre as pessoas estão se deteriorando: lança-se mão dos textos sagrados para se fazer propaganda. Reclama-se de vômito de criança chamando-o de bênção. Confunde-se a tarefa de quem Deus chamou para expor sua Palavra com a de um publicitário.

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Nossa peregrinação está chegando ao fim. Dizíamos “passarinhos, belas flores, querem me encantar”, mas refutávamos, “adeus terrestres esplendores”. Hoje temos de dizer que quizílias e exemplos mundanos nos impedem de ir mais rápido, de subir às montanhas da fé, de onde avistamos os muros fulgurantes da Jerusalém celeste.

Irmãos: lançamos mão de um arado. Não olhemos para trás.

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