sábado, 27 de dezembro de 2008

Todos os anos

Todos os anos, ao raiar de um novo ano, nos preparamos para “começá-lo bem”. Dizem que isso traz boa sorte. Os mais ligados às coisas de Deus, gostam de repetir o texto bíblico: “se as primícias forem santas, o restante também o será”. E assim, pelo menos nos primeiros momentos do ano - horas, dias, semanas - as decisões são levadas a termo.

Conheci uma pessoa angustiada por um pecado recorrente que decidiu não praticá-lo mais a partir da virada de 1999 para 2000. No primeiro dia de 2000, me procurou. Explicou-me a decisão que havia tomado e pediu que eu orasse naquele instante e todos os dias a partir de então para que não voltasse a praticar tal coisa.

Oramos. No dia seguinte telefonou para mim dizendo que havia resistido, e novamente oramos. Isso se repetiu por dois ou três meses: ele me telefonava todos os dias em que não nos encontrávamos na Igreja e dava seu “relatório”. Nos últimos dias, já nem entrava em detalhes. Dizia apenas: “Pastor, mais um dia e tudo bem”.

Na minha correria cotidiana, só depois de dois ou três dias é que me dei conta de que ele não havia me ligado mais. Meu primeiro pensamento foi de que ele havia fracassado, e fiquei angustiado sem saber se o procurava ou não.

Naquele dia, na hora do almoço, na fila do banco, nos encontramos. Ele sequer tocou no assunto. Fiquei pensando se deveria perguntar. Quando os vizinhos de fila estavam um passo mais afastados, perguntei baixinho: “e então, como vai?”. Ele entendeu e sorriu: “esqueci até de ligar. Já não sinto falta. Estou livre”.

Agradeci a Deus em silêncio enquanto me dirigia ao caixa após parabenizá-lo com um “tapinha nas costas”.

Eu sempre havia duvidado dessas “resoluções de ano-novo”, pois pensava, e ainda penso, que qualquer dia é dia de se resolver a mudar alguma coisa na vida. Não é necessário aguardar o dia 31 de dezembro. Mas, a partir de então, passei a ver que há uma espécie de efeito psicológico nessas ocasiões marcantes.

Como me contou meu amigo Joaquim: “quando minha filhinha me viu no mesa do buteco, atrás de um copo de cerveja, e eu vi a cara de nojo que ela fez... pastor... parei de beber! E nunca mais pus um copo de cerveja na boca”.

São dois casos diferentes. O primeiro marcado artificialmente por uma data e o segundo marcado naturalmente pela reação de uma criança. Ambos fortes o suficiente para provocar mudança de vida.

Aprendi a não desprezar esses momentos.

Estamos a poucas horas da mudança de 2008 para 2009. Você não gostaria de tentar mudar alguma coisa em sua vida? Não vou sugerir nada. Mas, talvez, seja melhor começar com algo pequeno. Depois de ganhar confiança pense em algo maior. Mas não se esqueça: sua força está em Deus.

Não é questão de “força positiva” nem de qualquer outra coisa além da oportunidade que acontece todos os dias, mas que pode ser otimizada nessas datas notáveis. Se você chegar ao meio do ano e puder olhar para traz e dizer: “neste ano, até hoje, resisti...” Então já terá valido a pena.

Não prometo que você conseguirá resolver qualquer coisa. Prometo orar com você, e se nossos problemas forem iguais, quem sabe, caminhar com você.

Não perca a oportunidade.

sábado, 20 de dezembro de 2008

Vou a Belém

Neste Natal vou a Belém. Não a Belém do Pará. Muito menos a Belém da Palestina. Vou à mesma Belém a que os pastores foram na noite em que os anjos os avisaram do nascimento de Jesus.

Não vou precisar de carro, muito menos de avião para chegar lá. Mas também não vou a pé. Vou em espírito. Calma! Não sou místico nem afeito a essa embromação de nossos dias, mas vou em espírito.

Não vi nenhum anjo, muito menos uma milícia deles. Mas ouvi, nas Sagradas Escrituras, o convite que eles fizeram uns aos outros depois do impressionante anúncio que receberam sobre o nascimento de Jesus.

Não vi nenhuma estrela nos céus, além das que me fascinam todas as noites. Mas li nas Escrituras Sagradas que alguns sábios entenderam que uma delas anunciava o nascimento de Jesus.

Então, vou a Belém.

Infelizmente não tenho ouro, nem incenso, e, pra falar a verdade, nunca vi mirra. Mas, como os pastores, que não tinham o que levar, além de um coração disposto a ver o que Deus tinha dado a conhecer, vou a Belém.

De antemão já sei que vou encontrar uma estrebaria. Provavelmente alguns animais e um casal com seu primeiro filho. Mas sei que esse menino é na realidade o Filho de Deus, a Segunda Pessoa da Santíssima Trindade que esvaziou-se de algumas de suas prerrogativas divinas e assumiu nossa natureza, a fim de reconduzir-nos à posição para a qual fomos criados e da qual nos afastamos rebeldes contra nosso Criador.

Tenho plena convicção de que não encontrarei nada de extraordinário, como luzes, coro de anjos e todas essas coisas que a imaginação de artistas bem intencionados costuma colocar no presépio, mas nunca me esquecerei dos momentos que passarei diante daquele menino.

Vou a Belém apenas par adorá-lo. Não com cânticos, pois nem minha voz, nem o mais belo dos cânticos é digno dele. Tampouco com instrumentos, pois, além de não saber tocar qualquer deles, mesmo que possuísse a capacidade musical e a destreza dos grandes mestres, jamais conseguiria compor ou tocar qualquer peça que merecesse sua atenção.

Vou a Belém com o coração aberto. No chão. Mais disposto a receber do que a dar algo que não possuo, pois tudo o que tenho me foi dado por ele.

Vou a Belém, durante o culto na Igreja e durante a ceia que estamos preparando em casa. A cada hino com meus irmãos da Igreja me lembrarei de que estou ali por que ele nasceu. A cada alimento saboroso que desfrutarei com meus queridos, me lembrarei de que vivo não apenas de pão mas de toda palavra que sai da boca de Deus. E ele, o menino da manjedoura, é a verdadeira Palavra de Deus, a última com que ele nos falou e a única que não lhe volta vazia.

Por esse e muitos outros motivos vou a Belém.

domingo, 7 de dezembro de 2008

Meditação anual sobre o Pai Nosso (4ª Parte)

Porque teu é o reino, o poder e a glória para sempre.

Amém.

Antes de examinar esta última frase convém lembrar que ela foi registrada apenas por Mateus. Lucas foi mais sucinto. Não é erro ou incoerência. Apenas registros de momentos diferentes.

Nenhum de nós seria tão ingênuo de pensar que o Senhor Jesus fez esta oração apenas uma vez, muito menos de acreditar que ele as repetiu ipsis verbis todas as vezes que orou. Mateus, que conviveu com ele, registrou uma forma mais longa da oração e Lucas que, como ele mesmo declara, pesquisou de diversas fontes, já que ele não conviveu com o Senhor, optou por uma forma mais curta.

***

Mas, voltando a frase... Sua função básica é explicar por que razão nos dirigimos a Deus como Pai e por que lhe fazemos aqueles pedidos: Porque dele é o reino. Dele é o poder. Dele é a glória. Ou seja: nos explica por que razão oramos.

Não oramos primariamente para satisfazer nossas necessidades, mas para fazer a vontade de nosso Senhor: Para bendizer seu nome, nos amoldarmos às realidades de seu reino, nos submetermos a seu poder e para o glorificarmos.

Bendizemos o seu nome desde o primeiro pedido - santificado seja o teu nome - e continuamos a fazê-lo quando desejamos a presença de seu reino e a realização que sua vontade seja feita na terra com a mesma diligência com que ela é feita nos céus. E quando pedimos o pão diário, o perdão de nossas dívidas e a proteção contra quedas ao sermos tentados, não há menor dúvida de que estamos atribuindo a ele - e a ele apenas - o atendimento de coisas tão importantes.

Amoldamo-nos às realidades de seu reino, quando buscamos em primeiro lugar aquilo que lhe diz respeito e depois nossas necessidades, mesmo que elas sejam tão prementes quanto o pão do dia. Não foi ele mesmo quem nos mandou buscar em primeiro lugar o reino de Deus e sua justiça e garantiu que comida, bebida e vestes nos seriam acrescentadas?

Nos submetemos a seu poder não apenas quando desejamos a santidade de seu nome, ou pedimos a vinda de seu reino, ou ainda quando desejamos a pronta e perfeita consecução de sua vontade. O fazemos também quando nos admitimos incapazes de receber o pão que seja apenas nosso, mesmo que sua quantidade seja apenas para um dia. Igualmente quando não podemos pagar o que lhe devemos, mesmo que seja de modo imperfeito como fazemos com quem nos deve. E principalmente quando dependemos dele - e somente dele - para que não caiamos quando somos tentados, por aquilo que é mau, nossa própria cobiça ou o mundo, ou por aquele que é mau: o inimigo de nossas almas.

Creio que é impossível sermos tão abrangentes e ao mesmo tempo tão específicos com outras palavras que não as que nosso Mestre e Senhor nos ensinou.

Portanto, nunca percamos a oportunidade de dizer: Pai nosso, que estás nos céus, santificado seja o teu nome; venha o teu reino; faça-se a tua vontade, assim na terra como no céu; o pão nosso de cada dia dá-nos hoje; e perdoa-nos as nossas dívidas, assim como nós temos perdoado aos nossos devedores; e não nos deixes cair em tentação; mas livra-nos do mal pois teu é o reino, o poder e a glória para sempre. Amém!

sábado, 29 de novembro de 2008

Meditação anual sobre o Pai Nosso (3ª Parte)

O pão nosso de cada dia dá-nos hoje

Perdoa-nos as nossas dívidas
assim como perdoamos nossos devedores

Não nos deixes cair em tentação,
mas livra-nos do mal.

Neste segundo grupo de três pedidos, oramos por nosso bem estar. Porém, ainda que não oremos “contra nós” (veja a Parte 2), tudo o que pedimos nos é extremamente humilhante. No primeiro pedido confessamos não ser melhores do que mendigos a pedir pão. No segundo nos declaramos inadimplentes a rogar perdão para nossas dívidas. E no terceiro pedido confessamos nossa total incapacidade de resistir ao que procura nos afastar da vontade de nosso Pai.

Além de tal natureza humilhante, cada pedido está vinculado a uma ou mais condições. Veja um por um.

Quando pedimos pelo pão, assumimos duas condições básicas. Primeiro, que ele seja o pão nosso. Não o pão alheio, do engano, da fraude e da opressão, mas o que é fruto do suor de nosso rosto. Segundo, não é o pão acumulado - como aquele louco da parábola do Senhor - mas o quotidiano. Aquele que nos mantém na dependência diária do Pai Celeste.

Também é bom lembrar que ao pedir o pão de cada dia, estamos nos obrigando a fazer esta oração diariamente.

Como pastor presbiteriano, tenho visto algum tipo resistência ao uso dessa oração. Creio que é por medo de semelhanças com as rezas Católicas, pois a explicação que mais ouço é: “orar uma vez ou outra tudo bem. Mas todo domingo? Parece reza”. Sempre respondo citando este pedido, pois ninguém quer alimentar-se uma vez ou outra, muito menos só aos domingos. E ninguém reclama da repetição dos mesmos alimentos. Entretanto, há quem se ache capaz de corrigir nosso Mestre e Senhor.

Dá mesma forma, quando pedimos o perdão das nossas dívidas, assumimos a obrigação de perdoar nossos devedores do mesmo modo, e com a “mesma intensidade”, que desejamos ser perdoados. Alguns explicam tal condição como uma simples declaração de intenções. Outros, vão mais longe e simplesmente deixam de usar essa oração – mesmo sendo as palavras que o Senhor nos ensinou – ou não dizem esta frase.

Esta oração visa primariamente nos colocar, diante de Deus, humildes e carentes de sua graça. Portanto, nada mais apropriado do que saber que, se ele manifestasse sua justiça, seríamos tão perdoados quanto perdoamos. Entretanto, sua justiça esgotou-se em seu Filho a fim de que fôssemos cobertos por sua misericórdia e por sua graça. E lembre-se bem de que foi ele que nos ensinou a orar assim, e especialmente chamando a seu Pai de nosso Pai.

Essa frase nos mostra o quanto não merecemos o perdão com que somos agraciados por Deus.

Quando pedimos que ele não nos deixes cair em tentação, acrescentamos: mas livra-nos daquilo – ou daquele – que é mau. Com isso, reconhecemos não ter forças para resistir a tudo o que visa a contrariar sua vontade: seja o produto de nossa natureza pecaminosa, ou a fascinação que o mundo exerce sobre nós, ou as sugestões que inimigo de nossas almas nos faz.

Asseguro que orar o Pai Nosso é mais do que rezar ou simplesmente repetir palavras. É cumprir a vontade de Deus expressa pelo profeta: “Ele te declarou, ó homem, o que é bom e que é o que o SENHOR pede de ti: que pratiques a justiça, e ames a misericórdia, e andes humildemente com o teu Deus” (Mq 6.8).

Não percamos então a oportunidade de, como filhos amados, pedir a nosso Pai: O pão nosso de cada dia dá-nos hoje. Perdoa-nos as nossas dívidas assim como perdoamos nossos devedores. Não nos deixes cair em tentação, mas livra-nos do mal.

quarta-feira, 26 de novembro de 2008

Meditação anual sobre o Pai Nosso (2ª Parte)

Santificado seja teu nome,

Venha o teu reino

Seja feita a tua vontade assim na terra como nos céu.

Se você tem costume de orar com as palavras do Senhor, e ora pensando no significado delas, já deve ter percebido que, depois de invocarmos a Deus como Pai – um Pai todo especial, que não é só seu, nem deixa de lado sua divindade, já que continua nos céu – fazemos-lhe seis pedidos: três dizem respeito a ele e três dizem respeito as nossas necessidades. Assim mesmo: três no singular e três no plural.

Além do fato de que os três primeiros se referem a coisas relativas ao Pai, há que se destacar que em nada podemos contribuir para a realização de qualquer deles. Pelo contrário: a plena realização de qualquer um deles nos é, humanamente falando, altamente prejudicial.

Veja: quando pedimos que o nome de nosso Pai seja santificado, no fundo estamos repreendendo nosso próprio comportamento leviano de repetir seu santo nome futilmente, de comprometê-lo em interesses egoístas - por vezes escusos - e principalmente de tratá-lo como objeto qualquer do qual podemos dispor conforme nossa necessidade ou vontade.

Não é isso o que estamos vendo? O nome de Deus não está sendo, cada dia mais, comercializado? Invocado diante das mais irrisórias e fúteis necessidades? Debochado por aqueles que se dizem seus filhos e muito mais pelos que se dizem seus emissários?

Semelhantemente, quando pedimos que o Reino de Deus seja estabelecido, novamente oramos contra nossos próprios interesses carnais. Pois se há uma coisa pela qual nos esforçamos no presente século é estabelecer nosso próprio reino. Evidentemente, não me refiro ao real início do Reino de Deus, pois o próprio Jesus atestou que ele já veio (Mt 12.28).

Na realidade pedimos que este bendito reino, que já veio, atinja todas as áreas de nossa vida, de tal forma que a vontade de Deus seja feita em nós, que vivemos na terra, no presente século, da mesma forma que ela é feita nos céu: que é o terceiro pedido.

Pedir ao Pai que a vontade dele seja feita na terra como é feita nos céu, é o complemento do pedido “venha o teu reino”. Também é um pedido contra nossos próprios interesses carnais, já que priorizamos tanto a nossa vontade, que por vezes chegamos a comprometer a santidade de seu nome.

Orar o Pai Nosso é mais do que uma simples reza ou uma simples repetição de palavras vãs. É orar contra nós mesmos. É submeter nosso próprio eu à vontade de nosso Pai.

Não podemos então perder a oportunidade de, como filhos amados, pedir a nosso Pai que seu nome seja Santificado, seu reino se manifeste a tal ponto de que a terra siga sua vontade como o céu o faz.

Por isso nunca deixemos de dizer: Santificado seja teu nome. Venha o teu reino. Seja feita a tua vontade assim na terra como nos céu.


quarta-feira, 19 de novembro de 2008

Meditação anual sobre o Pai Nosso

“... vós orareis assim:

Pai nosso, que estás nos céus... Mt 6.9”

Por que razão o Senhor Jesus nos mandou orar chamando a Deus de Pai? Os judeus de então tinham Deus como Pai e eventualmente se dirigiam a ele assim, mas no sentido de ser o Criador; não no modo tão pessoal em que a ordem do Senhor explicita.

Apesar de ser surpreendente, é, provavelmente, o maior privilégio que temos. E, se pensarmos bem, não é difícil, para nós, cristãos, entendermos a ordem do Senhor, embora saibamos que somos suas criaturas e que O Filho Unigênito - o eternamente gerado - é Cristo.

Essa comparação, entre o que somos e o que Cristo é, pode ser palidamente apreciada quando comparamos uma estátua e o filho de um escultor. Tanto a estátua quanto o filho foram originados no escultor, mas entre a estátua e o filho haverá uma diferença definitiva.

Ao nos mandar orar chamando a Deus de Pai o Senhor Jesus Cristo está pondo em prática o que decorre de sua obra. Aquilo que João expressou admiravelmente com as seguintes palavras: “Mas, a todos quantos o receberam, deu-lhes o poder de serem feitos filhos de Deus, a saber, aos que crêem no seu nome; os quais não nasceram do sangue, nem da vontade da carne, nem da vontade do homem, mas de Deus” (Jo 1.12-13).

Ele - o Senhor Jesus - passou a nos tratar como filhos de seu Pai. Como seus irmãos. Certamente você se lembra do que está na Carta aos Hebreus: “Pois, tanto o que santifica como os que são santificados, todos vêm de um só. Por isso, é que ele não se envergonha de lhes chamar irmãos, dizendo: A meus irmãos declararei o teu nome, cantar-te-ei louvores no meio da congregação” (Hb 2.11-12).

Somos filhos! Oramos ao Pai!

Entretanto, temos de nos abster do pecado da soberba e achar que essa relação é exclusiva, pois temos irmãos. E por isso devemos dizer “Pai nosso”.

Ele não apenas é meu pai. É pai também de meus irmãos. É pai de todos os que foram redimidos pelo seu Filho unigênito.

Se essa verdade fosse mais destacada hoje, não haveria os absurdos do exclusivismo onde alguém acha-se filho único de Deus e despreza os demais, ou coloca Deus a seu serviço.

Se ele também é pai de meu irmão, como devemos tratar uns aos outros? Com brigas? Divisões? Querelas?

Mas esta primeira frase da Oração do Senhor apresenta outro modificador: “que está nos céus”.

Ele não é qualquer tipo de pai. É o Pai celeste. O Pai que ama infinitamente, mas é infinitamente justo. O pai que não suspende sua justiça por amor, nem recolhe seu amor face a sua justiça. Seu perdão - expressão de seu amor - não é de graça. Pelo contrário, é enraizado em sua justiça.

Em suma: Temos um Pai.

Não apenas meu: nosso Pai.

Não qualquer tipo de Pai: o Pai celeste.

Não percamos pois a oportunidade de, curvados diante dele, dizer conscientemente: Pai nosso que estás nos céus!

domingo, 16 de novembro de 2008

Ainda sobre resumos

Não há grande dificuldade para se entender o que nosso Senhor chamou de “o primeiro grande mandamento”: Amar a Deus de todo nosso coração, de toda nossa alma e de todo nosso entendimento. Porém, o que significa realmente amar o nosso próximo como a nós mesmos?

Este “segundo grande mandamento”, que, nas palavras do Mestre, é semelhante ao primeiro, apresenta-nos diversas dificuldades de entendimento, pois temos de lidar com algo que a tradição cristã, no mínimo, evita examinar: o amor próprio. Se devemos amar nosso próximo como a nós mesmos, então devemos amar a nós mesmos.

Há muito tempo atrás ouvi de alguém, hábil em matemática, que devemos amar a Deus com 51% de nosso amor. Os 49% restante deveriam ser divididos igualmente entre nós mesmos e nosso próximo. Segundo seu raciocínio, a soma do amor que dedicamos a nós mesmos, com o amor que dedicamos a nosso próximo, nunca deve ser maior do que o amor que devemos dedicar a Deus. Tampouco o amor que dedicamos a nós mesmos deve ser maior do que o que dedicamos a nosso próximo e vice-versa.

Já escrevi aqui, que, dentro da cosmovisão bíblica, amor é fundamentalmente cuidado. Entretanto não é apenas cuidado. Se fosse a equação acima faria sentido: cuidaríamos daquilo que refere-se a Deus, com 51% de nosso tempo, esforço, capacidade, etc. e o restante dividiríamos igualmente entre nós e nosso próximo. Mas, como poderíamos conciliar tal entendimento com a ordem “amarás o Senhor teu Deus de TODO o teu coração”, que é o “grande e primeiro mandamento”?

Hoje – sem desconsiderar que amar é fundamentalmente cuidado – vejo mais como uma questão de atitude. Explico: Suponha que eu esteja diante de um dilema. Minha atitude deve levar em conta primariamente a vontade de Deus e em segundo lugar a vontade de meu próximo e a minha.

Observe que esta atitude pode ser aplicada tanto à mão direita quanto à fronte (tanto à ética quanto à doutrina). Vivemos em uma época em que a vontade e as oportunidades de se quebrar a lei de Deus são muito grandes. E não falo de grandes decisões. Falo do dia-a-dia. Falo de aborto, engano, relacionamentos e de tudo aquilo que se coloca em nossa frente a todo instante. O que fazer, ou o que pensar? Fazer e pensar em primeiro lugar aquilo que manda a lei de Deus e em segundo lugar aquilo que atenda ao meu próximo da mesma forma que me atenda.

Dois namorados me perguntaram sobre aborto. Precisei voltar atrás e mostrá-los que chegaram a esse ponto por não respeitarem primeiramente a lei de Deus sobre a castidade, e que estão pensando em eliminar a vida do próximo – o bebê – por não vê-la tão importante quanto a vida deles mesmos.

Como vou cultuar a Deus? Se o fizer do modo semelhante ao descrito na Bíblia, jamais terei um ambiente que agrade ao meu próximo, mesmo que ele tenha nascido na Igreja! Mas, para agradar meu próximo devo desagradar a Deus? Minha obrigação primária é agradar a Deus. Satisfeita, não posso impor ao meu próximo aquilo que agrada apenas a mim.

Nossa atitude concreta é o que conta ao falarmos de amor como cuidado. É exatamente disso que Jesus está falando quando mudou o segundo mandamento. Você notou que ele foi mudado? Veja: “Novo mandamento vos dou: que vos ameis uns aos outros; assim como eu vos amei, que também vos ameis uns aos outros” (Jo 13.34).

Acabou-se a ambigüidade. Deus foi satisfeito de modo pleno. Todas as exigências de sua justiça foram cumpridas em primeiro lugar. Agora, aquele que conseguiu fazer isso tornou-se o padrão: Amai uns aos outros como eu vos amei!

sábado, 8 de novembro de 2008

Resumos

Domingo passado vimos como Salomão resumiu a busca de sentido para sua vida debaixo do sol em “vaidade e correr atrás do vento”. Vimos também que, contrastando, ele resumiu o verdadeiro sentido da vida em “temer a Deus e obedecer os seus mandamentos pois esse é o dever de todo homem”.

Ao tentar resumir algo tão amplo Salomão não está inovando. O primeiro a fazer um resumo dessas coisas importantes foi o próprio Deus. Afinal, não foi ele quem nos mandou amá-lo sobre todas as coisas, e amar nosso próximo como a nós mesmos? O que são essas ordens senão resumos?

Não há como cumprir os quatro primeiros mandamentos sem amar a Deus e os seis últimos sem amar ao próximo.

Aliás, quando indagado sobre qual era o maior de todos os mandamentos Jesus respondeu: “Amarás o Senhor, teu Deus, de todo o teu coração, de toda a tua alma e de todo o teu entendimento. Este é o grande e primeiro mandamento. O segundo, semelhante a este, é: Amarás o teu próximo como a ti mesmo. Destes dois mandamentos dependem toda a Lei e os Profetas”.

Observe que estão diante de nós duas formas diferentes de se ver o mundo. Duas cosmovisões. E todas as duas, além de serem profundamente bíblicas, são completa e totalmente contrárias aos nossos dias.

Vejamos:

Da primeira - que nos ensina que amar a Deus sobre todas as coisas é observar os quatro primeiros mandamentos, e amar o próximo como a nós é observar os seis últimos mandamentos – deduzimos que, para Deus, amar pode ser até um sentimento, mas acima de tudo é uma atitude.

Dos quatro primeiros mandamentos (Não terás outros deuses diante de mim, Não farás para ti imagem de escultura, Não tomarás o nome do teu Deus em vão e Lembra-te do dia de descanso para o santificar) vemos claramente que Deus está estabelecendo como devemos nos relacionar com ele:

1. Devemos adorá-lo. Não a outra coisa ou pessoa. Isso fala de nosso culto à ele, e somente a ele. Cultuar a outro que não ele, em toda Bíblia, é chamado de adultério espiritual.

2. Fazer qualquer tipo de imagem dele é degradar sua pessoa ao nível de criaturas e portanto blasfemar contra ele.

3. Usar seu Nome levianamente é degradar sua honra ao nível comezinho de nossas futilidades e portanto menosprezá-lo.

4. Não reservar um tempo exclusivo – santificado – para estar com ele é deixar de desfrutar sua presença e aprender como cumprir cada vez mais os três primeiros mandamentos.

Ou seja: amá-lo sobre todas as coisas não é ficar perdidamente apaixonado ou “transpirar” sentimentos pré-fabricados. É fazer, mesmo que não seja adequado ao nosso mundo, aquilo que ele determina que façamos. Amá-lo é adorá-lo como ele quer ser adorado! Sobre todas as coisas!

Da segunda – contida nas palavras de nosso Senhor e Mestre: “Destes dois mandamentos dependem toda a Lei e os Profetas” – aprendemos que amar nosso próximo como a nós mesmos é simplesmente: Honrar nossos pais, Não matar, Não adulterar, Não furtar, Não testemunhar falsidades e Não cobiçar.

Seria ocioso repetir o quanto essas disposições são necessárias para podermos viver em paz com nossos semelhantes. Mas novamente convêm repetir: Amar nosso próximo não é forçar sentimentos que não existem, ou fazer declarações hipócritas. É fazer, mesmo que não seja adequado ao nosso mundo, aquilo que o Senhor determina que façamos a nosso semelhante.

Porém, por que a lei e os profetas dependem disso? Simples: A lei foi dada para garantir que isso seja cumprido e os profetas tinham como sua missão principal advertir o Povo de Deus, quando se esqueciam dessa obrigação.

Aí surge a diferença entre o que é e o que deveria ser: Como a lei foi escrita em nossos corações pelo Espírito Santo todos esses mandamentos deveriam ser para nós motivo de prazer, e jamais deveríamos precisar de alguém que nos lembrasse de cumpri-los pois os desejaríamos mais do que o ouro e teríamos nele maior prazer do que no mel.

sábado, 25 de outubro de 2008

Eclesiastes para hoje

Gosto de pensar que o Livro de Eclesiastes como uma auto-biografia de Salomão. Não estou sendo original, nem sei quem foi o primeiro a ter essa idéia, mas fiquei muito alegre ao vê-la, pois sempre tive problemas para entendê-lo.

Em Eclesiastes a palavra “vaidade” é repetida 28 vezes. A frase “vi que tudo era vaidade e correr atrás do vento” é repetida 7 vezes e parece delimitar seções do texto. Já a frase “debaixo do sol”, repetida 27 vezes, informa o local da ação.

Lendo-o como auto-biografia, escrita em seus últimos anos, fica fácil de ver uma estrutura coesa ao longo do texto. A impressão é de que ele registrou o quanto tentou achar sentido para sua vida “debaixo do sol” e como foi amargo o fim de cada busca: ”era vaidade e correr atrás do vento”.

Já tentei, diversas vezes, usando esta frase como marcador, resumir cada seção, ou pelo menos dizer do que ela se trata. Mas, se algumas, de tão obvias dispensam rótulos (por exemplo: a primeira), outras de tão complexas parece retratar uma profunda crise existencial.

Discordo de quem diz que naqueles dias não havia questionamentos existenciais, pois à luz do Livro de Jó (com todos os seus matizes de dor e questionamento não apenas da existência, mas também de merecimentos e recompensas) e dos Salmos 37 e 73, se não houvesse quem os entendesse, teríamos de admitir que foram preservados para os dias atuais.

Enquanto o Livro de Jó fala-nos de tais problemas à luz do sofrimento ocasionado por “forças espirituais”, Eclesiastes mostra-nos o sofrimento de quem busca sentido na vida material.

Veja a já citada primeira seção. Ela começa declarando que tudo é vaidade e perguntando que proveito tira o homem de todo o trabalho com que se afadiga debaixo do sol. Fala da eterna mesmice da vida, e da procura do Pregador em entendê-la. Porém, o que se destaca é que ele passou a examinar a vida “experimentalmente”: “Disse comigo: vamos! Eu te provarei com a alegria; goza, pois, a felicidade” (2.1).

E segue-se uma lista de experiências: Riso, alegria, bebedice, loucura, posses, feitos, aquisições, acúmulo de riquezas, desfrute de prazeres carnais e estéticos, que é concluída com a declaração seca: “Considerei todas as obras que fizeram as minhas mãos, como também o trabalho que eu, com fadigas, havia feito; e eis que tudo era vaidade e correr atrás do vento, e nenhum proveito havia debaixo do sol” (2.11).

E assim, as demais seções. Todas terminam com declaração semelhante.

O livro então ganha uma estrutura em que afirmações claramente contrárias ao Evangelho como: “Aquilo que é torto não se pode endireitar; e o que falta não se pode calcular” (1.15) ou “o que sucede aos filhos dos homens sucede aos animais; o mesmo lhes sucede: como morre um, assim morre o outro, todos têm o mesmo fôlego de vida, e nenhuma vantagem tem o homem sobre os animais; porque tudo é vaidade. Todos vão para o mesmo lugar; todos procedem do pó e ao pó tornarão. Quem sabe se o fôlego de vida dos filhos dos homens se dirige para cima e o dos animais para baixo, para a terra? Pelo que vi não haver coisa melhor do que alegrar-se o homem nas suas obras, porque essa é a sua recompensa; quem o fará voltar para ver o que será depois dele?” (3.19-22), ganham sentido, pois foram ditas em um contexto determinado e são expressão de determinada época e de determinada busca e não verdades absolutas conflitantes com a “analogia da Fé”.

Outra vantagem é ver Salomão “redimido”. Explico: De 1Reis 11 sou obrigado a admitir que, ao morrer, Salomão levava uma vida de pecado longe de Deus, e morreu sob sua ira. Porém, se Eclesiastes, é sua auto-biografia, ele aproveitou para repassar-nos sua experiência, como que dizendo: “você quer achar sentido para a vida no materialismo? Tente. Eu “fui fundo” e só achei vaidade”.

Finalmente, a maior lição aparece nos últimos versos do livro quando ele diz que não há limites em “perscrutar”, mas “De tudo o que se tem ouvido, a suma é: Teme a Deus e guarda os seus mandamentos; porque isto é o dever de todo homem” (12.13).

Não era sem razão que Eclesiastes me fascinava na adolescência. É um guia seguro para a vida. Escrito por quem a viveu intensamente e só encontrou sentido para ela “acima do sol”.

segunda-feira, 20 de outubro de 2008

Mais doce do que o mel e preciosa do que o ouro

Alguns estudiosos dizem que a maior tentativa que o homem fez, e continua fazendo, para viver sem Deus foi viver em cidades. O raciocínio é simples: quem vive fora das cidades vê com mais clareza as obras de Deus.

Talvez você nunca tenha morado na roça, mas certamente pode imaginar. Na roça é necessário, por exemplo, tirar água da terra – estou me referindo a roça sem os confortos modernos – de tal modo que além de ver que a água é um produto da graça de Deus, se vê claramente quando há água em abundância e quando míngua. Na cidade basta abrir uma torneira e para se sentir falta de água é necessário um grande período de escassez, pois os reservatórios garantem seu fornecimento diariamente.

Talvez isso fique muito mais claro se você pensar em segurança. Quem vive em uma casinha isolada está sempre sobressaltado e dificilmente fica sem, pelo menos, um cão de guarda. Na cidade a maioria dos perigos se origina em seus próprios moradores. Pense nas antigas cidades muradas.

As luzes da cidade escondem os céus onde o poder de Deus se manifesta de modo tão claro, que o salmista chega a afirmar “Os céus proclamam a glória de Deus, e o firmamento anuncia as obras das suas mãos. Um dia discursa a outro dia, e uma noite revela conhecimento a outra noite. Não há linguagem, nem há palavras, e deles não se ouve nenhum som; no entanto, por toda a terra se faz ouvir a sua voz, e as suas palavras, até aos confins do mundo” Sl 19.1-4).

O estilo de vida nas cidades torna nossa percepção da vida tão opaca que só pensamos se o ano foi farto em chuvas quando os preços dos alimentos sobem; e, abrigados das intempéries da vida, nos esquecemos da graça, da bondade e principalmente das repreensões de Deus. Se o clima fica severo, temos os aparelhos aquecedores ou os de ar condicionado.

O estilo de vida nas cidades nos priva das grandes bênçãos de Deus. Você já notou como no Antigo Testamento comer tutano e gordura era uma espécie de prêmio? O salmista chega a dizer “A minha alma se fartará, como de tutano e de gordura; e a minha boca te louvará com alegres lábios” (Sl 63.5 Ed. Corrigida). Você se arriscaria? Seus níveis de colesterol permitem?

O mel, a que a Palavra de Deus é comparada por sua doçura, ainda é tido como um excelente alimento, mas seus níveis de glicose permitem usá-lo sem quaisquer restrições?

Essa crise pela qual o mundo passa mostra-nos também o quão longe ficamos de coisas que o próprio Criador delas usou para mostrar sua generosidade. Logo no começo da narrativa do Genesis, ao descrever a terra onde Deus plantou um jardim, lemos sobre a “... terra de Havilá, onde há ouro. E o ouro dessa terra é bom” (Gn 2.11e2).

O salmista que comparou a doçura da Palavra de Deus ao mel, é o mesmo que compara sua preciosidade ao ouro. Mas você observou que o ouro hoje só é “desejado” quando a montanha de papéis, sobre os quais as riquezas se assentam, entram em crise?

Em parte eu concordo que a cidades, de certa forma, nos afastam de Deus, mas, se nossos primeiros pais tivessem resistido ao inimigo e não caíssem será que nunca viveriam em cidades? Será que não teríamos cidades sem pecado?

Na verdade, tanto as cidades, quanto qualquer outras coisas que viermos a produzir debaixo de uma cultura pecaminosa, visarão sempre nossa própria independência. Independência de Deus. A menos que consagremos a ele nossa vida e o fruto de nosso labor. A menos que as riquezas de “origem injusta” – como são todas as riquezas produzidas longe do Criador – sejam trazidas, juntamente com nosso pensar, cativas aos pés de nosso Senhor e por elas o adoremos.

quinta-feira, 9 de outubro de 2008

Por uma Reforma Continuada

Desde a época apostólica a Igreja tem sido assolada por uma grande quantidade de inimigos. Inimigos externos e internos, como o apóstolo Paulo ensinou aos presbíteros da Igreja que haveria de esquecer seu primeiro amor.

Não estou falando das perseguições, pois tais começaram antes dela ganhar a estrutura com que foi caracterizada no dia de Pentecostes. O próprio Senhor Jesus era perseguido. Refiro-me aos atentados à sua essência.

Antes do último apóstolo morrer já havia facções que lutavam para impor à Igreja seu modo de pensar e de ver o mundo. O apóstolo João, bem velho, amparado por amigos ditou seu evangelho, preocupado com a Igreja que estava sofrendo as idéias gnósticas.

Após a era apostólica, ou o primeiro século, houve um período de mais de duzentos anos, em que todos os ensinos deixados pelos apóstolos, foram organizados em doutrinas bem definidas e estabelecidas. Dessa época nos veio o Credo Niceno, resultado do terceiro concílio e que até hoje é uma das balizas de nossa fé. A esse período chamamos de patrística, pois os historiadores referem-se aos sucessores dos apóstolos como “pais da igreja”.

O último desses gigantes foi Agostinho, que, com exceção de algumas coisas, é para nós um marco na interpretação da Bíblia e na formulação da cosmovisão cristã.

Após Agostinho, a Igreja entrou em um período estranho, a que muitos historiadores chamam de Era das Trevas. Era a idade média. Houve desenvolvimento no estudo das Escrituras, mas como imperou a clausura e muito do que foi registrado se perdeu em guerras, pouco se pode destacar, além do trabalho de Tomas de Aquino, que sujeitou o pensamento da Igreja aos princípios da filosofia de Aristóteles e a amarrou mais fortemente aos erros que já se manifestavam nos dias de Agostinho.

Nessa época encontramos também os pré-reformadores. Aqueles que viveram antes dos reformadores do século 16 e que já lutavam por um ou mais pontos que vieram caracterizar a Reforma Protestante. De um modo geral há algum acordo em torno dos nomes de John Wycliff na Inglaterra no século 14, John Huss na Boêmia, no começo do século 15 e Jerônimo Savanarola na Itália, no fim do século 15.

Porém, o movimento mais consistente aconteceu no século 16 e seu início é atribuído a Martin Luther na Alemanha.

Dizer que o ambiente cultural e político não contribuiu para a Reforma Protestante ou para os atos de Lutero, é o mesmo que negar a ação da providencia divina, mas dizer que a Reforma Protestante foi apenas um movimento político é desconsiderar seu papel destacado na vida espiritual de povos inteiros.

Se Lutero começou, Calvino foi quem deu a forma final. Pouco foi sistematizado depois de Calvino.

Mas, se as doutrinas cristãs já haviam sido sistematizadas no período patrístico, por que foram sistematizadas novamente? A Igreja havia tomado outros trilhos e a luta dos reformadores era para que ela voltasse à pureza apostólica, pois mesmo na era patrística havia sementes dos erros que frutificariam depois.

Além de Calvino, houve muitos outros: Zuínglio, Beza, Knox ... tantos.

E nós, hoje.

Cabe-nos continuar a obra desses homens que seguindo o exemplo apostólico lutaram pela pureza da Igreja. Como cada época tem seu tipo de sujeira, cada época deve ter também seus limpadores adequados.

A maior sujeira do século 16, a que desencadeou a ira de Lutero, foi a venda de indulgências. Qual será a de nossos dias?

Cabe-nos discernir e lutar contra ela, daí a necessidade de uma Reforma Continuada. Daí a necessidade de voltarmos sempre, não ao tempo de nossos pais ou avós, mas ao tempo dos Apóstolos. E o único caminho para isso é a Bíblia.

sábado, 27 de setembro de 2008

A crise e a confiança em Deus

wall street bull

Andando por Wall Street dificilmente você não verá uma enorme escultura de bronze com mais de três toneladas de peso. É esse touro ao lado.

Indecorosamente furioso, foi esculpido por Arturo di Módica, em comemoração ao fim da crise financeira de 1987 da qual poucos se lembram, mas foi pior do que a de 1929 que desfila até nos livros escolares.

A explicação de di Módica é que um touro representa bem a “agressividade otimista do sistema financeiro e a prosperidade da economia americana”, além de ser uma referência ao modo como os corretores da bolsa se referem a uma subida rápida de um papel: “jogado para cima pelos chifres de um touro”. Entretanto, só o fato de ser um touro, deixa qualquer estudioso da história do povo de Deus com uma pulga atrás da orelha.

Até hoje sucesso material e bênçãos divinas estão ligados na mente de todos de qualquer religião. Como os judeus também achamos que um homem rico é mais abençoado por Deus do que um pobre. E, como os discípulos do Senhor, também estranhamos sua declaração de que é mais fácil passar um camelo pelo furo de uma agulha do que salvar um rico.

Nos últimos dias, acompanhando a aflição de alguns irmãos cujos queridos moram na outra América e estão sobressaltados, resolvi escrever alguma coisa que os tranqüilizasse. Porém, o texto que eu julgava pronto na segunda-feira passada, precisou ser atualizado dia a dia ao ponto de, na quinta-feira à noite, já nem parecer mais com o primeiro.

E hoje, sexta-feira, a única coisa da qual tenho certeza é que tudo se originou no pecado da ganância, e a confiança geral é apenas na “descomunal força do touro”.

Não podemos, nem devemos ficar alheios ao que ocorre no mundo. Muito menos ser ingênuos ao ponto de pensar que estamos em uma ilha que jamais será afetada, pois nossos 208 bilhões de dólares nos deixa “blindados” contra qualquer coisa. Pensar isso é loucura.

Você não se lembra de como Jesus chamou ao homem que, diante de uma boa safra, aumentou seus celeiros, fez grande estoque e tranqüilizou sua alma dizendo: “tens muito em depósito. Come, bebe, regala-te”? As palavras de nosso Mestre ainda soam e se aplicam muito bem a quem julga-se seguro por ter muito: “Louco. Esta noite pedirão tua alma”.

Como pastor, tenho a obrigação de entender o que está acontecendo e exortar ou tranqüilizar o rebanho sobre o qual Deus me colocou. Leia as palavras do Salmo 49.10-15:

"Pois todos podem ver que os sábios morrem, como perecem o tolo e o insensato e para outros deixam os seus bens. Seus túmulos serão suas moradas para sempre, suas habitações de geração em geração, ainda que tenham dado seus nomes a terras.

O homem, mesmo que muito importante, não vive para sempre; é como os animais, que perecem. Este é o destino dos que confiam em si mesmos, e dos seus seguidores, que aprovam o que eles dizem. Como ovelhas, estão destinados à sepultura, e a morte lhes servirá de pastor.

Pela manhã os justos triunfarão sobre eles! A aparência deles se desfará na sepultura, longe das suas gloriosas mansões. Mas Deus redimirá a minha vida da sepultura e me levará para si".

Não adianta tentar eternizar-se dando “seus nomes a terras”, pois o destino dos que confiam em si mesmos é, na sepultura, terem a morte por pastor.

Por quanto tempo o touro ainda resistirá? Quantas crises ainda se abaterão sobre ele? Até quando se comercializará promessas de pagamento (origem da atual crise, que ainda sequer teve seu tamanho medido)?

“Blindados” mesmo estão aqueles que obedeceram o Senhor e não puseram seus corações nas riquezas. Felizes mesmo são aqueles cuja esperança não está limitada a esta vida.

domingo, 21 de setembro de 2008

A máquina do “fim-do-mundo”

Ligaram a máquina do “fim-do-mundo”! Advertiu-me um amigo impressionado com as notícias sobre o enorme acelerador de partículas europeu. Lá mesmo houve advertências, processos judiciais para impedir o funcionamento. E, na índia, enquanto muitos aguardavam o fim do mundo uma adolescente se matou de tanto medo.

Sei muito pouco sobre uma máquina dessas, mas sei que não é a primeira. É, de longe, a maior, mas outras já foram ligadas antes, e muito do que sabemos sobre o átomo e suas partículas aprendemos com elas.

Assuntos velhos: antes mesmo do nascimento de Jesus já se falava tanto sobre fim do mundo quanto sobre átomo. Sobre o primeiro, quem nunca leu as profecias de Daniel? E, sobre o segundo, acaso não lembramos das aulas de ciências sobre o filósofo grego que intuiu a existência de partículas constitutivas da matéria pelo simples raciocínio de se cortar alguma coisa continuamente em sua metade? Dizia ele: - Chegaremos a uma partícula que não poderá ser mais cortada. A palavra grega ‘átomo’ significa literalmente ‘não cortável’.

Meus professores nunca entraram em acordo se isso foi pensado por Leucipo ou Demócrito. Mas como o primeiro foi professor do segundo, para mim, essa questão não é tão importante.

Mas, voltando ao meu amigo alarmado. Ouvi todas as suas considerações - achei melhor não contar outras que eu conhecia, com medo de que ele ficasse mais alarmado ainda – e fiquei pensando duas coisas quase que paradoxais: como seria bom se fosse mesmo o “fim-do-mundo”! Afinal, não esperamos, oramos e nos empenhamos para que esse dia chegue logo?

Mas não é. Esse dia não será provocado pelo homem. Será uma intervenção divina. Não é uma “maquininha dessas” que fará o trabalho de Deus. Por mais importante que ela seja, é apenas uma “máquina de ver”. Explico:

Se você gosta de história tanto quanto eu, já deve ter percebido que a invenção das lentes foi um marco divisor no progresso da ciência. Com o microscópio um mundo invisível tornou-se examinável e com o telescópio o que era distante veio ser considerado em uma mesa de estudos.

À medida que os microscópios foram ficando mais potentes se percebeu que aquilo que parecia uma coisa só, como a pele, na verdade era constituída de várias celinhas (do latim: “celullas”), que no microscópio mostravam-se constituídas de partes menores, que por sua vez, eram constituídas de outras partes ainda menores.

Estava claro que quanto mais potente fosse o microscópio menores seriam as partículas que poderiam ser vistas. Mas quando se veria o átomo? Que potência deveria ter o microscópio que o mostrasse? Um cientista chamado Dalton no início do século XVII pensou: Não vamos esperar vê-lo pois já há informações sobre o que ele é. E postulou dentre muitas coisas que tudo é constituído por átomos e os átomos são as menores partículas.

Resumindo cem anos de história, Niels Bohr completou o modelo que conhecemos até hoje: O átomo possui um núcleo composto de prótons (positivos) e nêutrons (neutros). Ao redor deste núcleo orbitam os elétrons (negativos). E, quando um elétron migra de um átomo a outro, há produção de eletricidade e alteração das qualidades de ambos os átomos.

Do século XVII para hoje houve muitas outras descobertas. Descobrimos diversas partículas menores do que o átomo que o constituíam. Chegamos a “cortá-lo” - lembre-se que, por definição, ele era “não cortável”.

Mas o modelo de Bohr já era suficiente para se pensar (pois até hoje não vimos o átomo): Os elétrons são como os planetas que sempre vimos orbitando o sol. Mas não bastaria arranjar um microscópio mais poderoso? Não. Essas partículas são menores que a substância (onda ou partícula) da luz, que deveria iluminá-las para que as pudéssemos ver. Por isso o acelerador as emite em alta velocidade e observa o resultado do choque de uma contra outra. Mais ou menos como as partículas que os tubos de nossos aparelhos de TV emitem partículas para se chocarem contra a tela em uma ordem tal que produza imagens.

As Escrituras Sagradas ensinam que, ao examinar as coisas criadas, o homem aprende tanto sobre Deus que se torna indesculpável perante ele. Agora, repare bem: isso é dito sobre o homem comum fazendo uma observação comum. Imagine o quanto Deus tem por indesculpável aquele que examina suas obras com requintes científicos e aparelhagem sofisticada?

E, se, conforme nos ensina o Salmo 8, quando o olho os Céus compreendo que sou nada perante Deus, o que deveríamos então entender, quando “contemplamos” maravilhas como essas?

Essa maquineta não deve nos assustar. Ela está cumprindo suas maiores funções: fazendo com que os filhos de Deus exultem pelas obras do Criador e tornando os céticos mais indesculpáveis ainda.

domingo, 14 de setembro de 2008

A cultura e a transmissão do Evangelho

Há alguns dias atrás defendi a existência de uma “estética cristã” normativa para o bom relacionamento entre cristãos e para o “bom testemunho” evangélico. Entretanto, não posso deixar de explicar que, apesar de não estar subordinada, boa parte de sua expressão é afetada pelo contexto cultural em que vivemos.

Ninguém está isento de avaliar o mundo de acordo com a cultura em que o percebe e o expressa.

Isso não é difícil de entender.

Em todos os lugares em que, falando da dieta de João Batista, mencionei as diversas formas como os judeus de então comiam gafanhotos, a estranheza de meus ouvintes foi constante. Em alguns lugares ouvi nitidamente um “eeca”. Porém, o que um judeu de então pensaria de nós se soubesse que comemos porco? Pior: os intestinos do porco? Será que ele também não diria: “eeca!”?

Um amigo meu que não suporta certo tipo de música evangélica contemporânea, pois o lembra do “clima dos barzinhos”. Quando eu disse que engolia obrigado o gospel rock tão comum nas igrejas hoje, pois me trazia reminiscências das bobagens que cantei quando adolescente, ele estranhou.

Percebemos o mundo ao nosso redor através de nossos cinco sentidos, mas o decodificamos através dos valores que moldaram nossa forma de entendê-lo, e tais valores tanto podem ter sido desenvolvidos por nós mesmos (como a música para mim e para meu amigo) quanto podem ser expressão da cultura em que fomos criados (como o caso dos gafanhotos e dos porcos).

Mas, se não estamos isentos de “ver o mundo” através dos óculos de nossa cultura, também não estamos isentos de expressá-lo da mesma forma. E aqui, parece estar o maior problema.

Alguns dizem que o Evangelho deve ser expresso através de todas as culturas existentes para atingir a todas as pessoas. Outros dizem que ele deve ser expresso a todas as culturas existentes, mas apenas através dos “meios culturais” que não desdigam sua mensagem.

Parece-me que a última opção é a correta.

Você já notou que Deus proibiu-nos certas coisas? Por exemplo: somos proibidos de “fazer a obra do Senhor relaxadamente”, de substituir a ação de seu Espírito pela “força ou pela violência”, e de sermos “parciais na apresentação do conselho de Deus”.

E, ao contrário, podemos resumir com as instruções dadas a Tito: “Torna-te, pessoalmente, padrão de boas obras. No ensino, mostra integridade, reverência, linguagem sadia e irrepreensível, para que o adversário seja envergonhado, não tendo indignidade nenhuma que dizer a nosso respeito” (Tt 2.7-8).

Além de ser um padrão ético de “boas, ou belas obras” Tito foi ordenado a usar “palavras sadias, hígidas, não ambíguas”, que não pudessem ser condenadas.

Ou seja: estamos proibidos de ensinar irreverentemente, ou com linguagem chula! E isso transcende a qualquer cultura!

Como então alguns querem se valer de blocos carnavalescos, de boates, de baladas ou similares, para transmitir o santo Evangelho?

A transmissão do Evangelho, ou de seus conteúdos, está indelevelmente associado a certos valores estéticos e éticos, que, algumas vezes, dependem da cultura, mas na maioria delas a transcendem.

Dizer que a cultura é neutra ou que foi redimida pela cruz é uma das grandes bobagens de nosso século. Se ela for neutra então podemos usar todas as expressões de “porneia” para comunicar exatamente aquilo que mais as condena. Se ela foi inteiramente redimida pela cruz, então todos também foram e não há necessidade alguma de se evangelizar.

Que evangelho anunciamos? Se for o verdadeiro, como estamos anunciando-o? Acho que aqui cabe bem a exortação do Apóstolo: “Suportai-me, pois. Porque zelo por vós com zelo de Deus; visto que vos tenho preparado para vos apresentar como virgem pura a um só esposo, que é Cristo. Mas receio que, assim como a serpente enganou a Eva com a sua astúcia, assim também seja corrompida a vossa mente e se aparte da simplicidade e pureza devidas a Cristo. Se, na verdade, vindo alguém, prega outro Jesus que não temos pregado, ou se aceitais espírito diferente que não tendes recebido, ou evangelho diferente que não tendes abraçado, a esse, de boa mente, o tolerais”. (2Co 11.1-4).

domingo, 7 de setembro de 2008

Felicidade medida?

Nessa semana divulgou-se o resultado de uma pesquisa da Fundação Getúlio Vargas expressa em um índice de nome, no mínimo, interessante: Índice de Felicidade Futura. Fiquei surpreso: O Brasil está em primeiro lugar!

Fui examinar.

A pesquisa é dirigida a jovens entre 15 e 29 anos e através de perguntas objetivas e subjetivas busca avaliar qual é a sensação do jovem frente a situação atual e a situação futura de seu respectivo país (é feita em 132 países).

Na realidade há dois índices: o de Felicidade Presente e o de Felicidade Futura, sendo que no índice de Felicidade Presente o Brasil está em 22º lugar com a Dinamarca em primeiro. Ou seja: a sensação que esse grupo tem atualmente é que a vida vai melhorar, pois se hoje os jovens de 21 nações se vêem em melhor posição do que os jovens brasileiros, a expectativa dos brasileiros é a maior de todas.

Porém o que a pesquisa chama de felicidade está atrelada indissociavelmente ao bem estar financeiro. Aliás, é como se dissesse: “o dinheiro pode até não comprar a felicidade, mas compra - ou possibilita - a aquisição de coisas que nos fazem felizes”.

Não nego que um bem estar financeiro, ou econômico, nos torne menos preocupados com as dificuldades que eventualmente nos assediem. Também não nego que proporciona a possibilidade de realização de sonhos, projetos ou desejos. Mas será que isto não é apenas parte da felicidade? Não foi por essa razão que Jesus chamou de louco aquele homem que tranqüilizou sua alma quando encheu seu celeiros?

Há também a satisfação de ser “bem sucedido”. Não importa muito em que. Mas, o sucesso em pequenas coisas provoca certo sentido de bem-estar difícil de ser avaliado. Por exemplo (a seguinte conversa é verdadeira): - Olha, para teu carro, funcionar direito, use um aditivo na gasolina. Basta por uma medida para cada tanque, e ... seja feliz!

Esses sentidos estão dicionarizados: felicidade (do Latim felicitate) s. f., ventura; bem-estar; contentamento; bom resultado, bom êxito; dita; qualidade ou estado de quem é feliz. Porém, nas Sagradas Escritura, o sentido da palavra felicidade é muito mais amplo. Repare que a pesquisa e parte do verbete do dicionário referem-se a um estado de satisfação fruto de sucesso material, mas a Palavra de Deus é bem clara: “Se a nossa esperança em Cristo se limita apenas a esta vida, somos os mais infelizes de todos os homens” (1Co 15.19).

Veja também o contraste com as palavras de Jesus, quando, por nove vezes, ele define os que são felizes: “’Felizes’ os pobres em espírito, pois deles é o Reino dos céus” (Mt 5.3).

Para o verdadeiro cristão a felicidade não está condicionada ao sucesso material. É claro que o sucesso material influencia até mesmo seu ânimo, porém sua felicidade está em valores maiores, como o que é mostrado pelo seguinte texto: “Feliz és tu, ó Israel! quem é semelhante a ti? um povo salvo pelo Senhor, o escudo do teu socorro, e a espada da tua majestade” (Dt 33.29). Essas benditas palavras cumprem-se na Igreja: o verdadeiro Israel de Deus.

A felicidade do verdadeiro cristão não pode ser avaliada em índice, pois transcende as coisas materiais que são mensuráveis e expressa a fé no eterno, diante do qual tudo pode faltar, mas ele permanece.

quinta-feira, 4 de setembro de 2008

Como escolher um candidato

No livro “O Espírito das Leis”, Montesquieu nos ensina que os governos ditatoriais e tiranos se mantém pelo medo, os governos monárquicos pelos princípios da honra e os governos democráticos pela virtude, e faz questão de explicar que não se refere a virtude em seu sentido religioso.

Estamos vivendo os dias em que os candidatos aos cargos de governo estão se apresentando a fim de nos convencer a votarmos neles. Se Montesquieu tiver razão - e acho que ele tem - podemos encontrar alguma virtude naqueles, que não se cansam de mostrar o quanto são bons, capazes e honestos?

Acaso seria virtuoso quem se apresenta como o único capaz de fazer isso ou aquilo? Ou quem enaltece seus feitos?

Falando sobre isso com um “candidato evangélico” ele me explicou: “nosso povo tem memória curta. Precisamos relembrar o que foi feito, senão votam na campanha mais bonita”.

Entendi. Não concordei, mas entendi. E deplorei!

Há uma figura que mostra bem a insensatez deste tipo de raciocínio: Imagine que você vá fazer uma viagem de avião com outros duzentos passageiros, e, ao chegar no aeroporto, seja informado que deve ir à determinada sala a fim de eleger um dos passageiros como piloto. Você se arriscaria numa viagem dessas? Você aceitaria a incumbência se acaso fosse o eleito?

Hoje, a escolha “dos pilotos de nossas cidades” não é feita pelo medo (embora a imprensa tenha noticiado que em determinados lugares, alguns estão ameaçando os eleitores), pois tal escolha é privilégio da elite que se impõe.

Também não é feita por sucessão familiar em que, por compromissos de honra, tenhamos que obedecer ao domínio de uma “família real”. Afinal ao estabelecer a República no Brasil, não apenas proibimos títulos de nobreza como desterramos apressadamente e à noite D. Pedro II, imperador de então.

Devemos escolher dentre nossos concidadãos os mais virtuosos e delegar-lhes poder de mando. A questão toda é: que critérios usaremos para descobri quais são os mais virtuosos?

Se nos fixarmos em Montesquieu o mais virtuoso será aquele para o qual o estado estiver acima de tudo, principalmente de seus interesses pessoais.

Encontraríamos sequer um que não tivesse qualquer tipo de interesse em ser eleito? Que abrisse mão do dinheiro que vai ganhar? Da influência que facilitará sua ascensão social ou a melhoria de vida de seus queridos? É difícil. É quase impossível. É praticamente impossível.

A ética cristã não condena o governante que ganha para ser governante nem o que acumula influência.

A Bíblia é clara: “Todo homem esteja sujeito às autoridades superiores; porque não há autoridade que não proceda de Deus; e as autoridades que existem foram por ele instituídas. ... É necessário que lhe estejais sujeitos, ... por dever de consciência. Por esse motivo, também pagais tributos, porque são ministros de Deus, atendendo, constantemente, a este serviço. ... a quem tributo, tributo; a quem imposto, imposto; a quem respeito, respeito; a quem honra, honra” (Romanos 13.1-7).

Então, em quem votaremos?

Um bom critério nos é dado pelo Senhor Jesus. Na realidade ele nos foi dado para conhecer falsos líderes religiosos, mas acho que serve também para escolher políticos: “Pelos seus frutos os conhecereis. Colhem-se, porventura, uvas dos espinheiros ou figos dos abrolhos? Assim, toda árvore boa produz bons frutos, porém a árvore má produz frutos maus” (Mateus 7.16-17).

Pelo contexto “frutos” tem um sentido claro: as características que acompanham quem é guiado pelo Espírito de Deus. Ou seja: “amor, alegria, paz, longanimidade, benignidade, bondade, fidelidade, mansidão e domínio próprio” (Gálatas 5:22-23). Porém, como extrapolamos o contexto, e, de falsos religiosos, estamos procurando falsos políticos, o termo “frutos” poderia muito bem ser aplicado ao que ele já fez.

Não estou me referindo apenas a obras, ou leis, mas principalmente a decisões que ele tenha tomado em momentos de crise.

Se ficou “em cima do muro” ou foi pusilânime - posição mais confortável e preferida pela maioria - é de se imaginar que no futuro faça o mesmo e deixe seus governados arcarem as conseqüências.

Se assumiu posição, de que lado ficou? Do lado da ética, da verdade, da moral, da austeridade, dos bons costumes? Ou ficou do lado em que agradaria mais eleitores?

Lembre sempre: Quando você elege alguém, não está delegando-lhe poderes para lhe agradar, mas para fazer o que é direito e o que precisa ser feito.

Escolha bem. Você tem um mês para analisar.

quarta-feira, 27 de agosto de 2008

Há uma Estética Cristã?

Não há como questionar a existência de uma ética cristã. Afinal as exigências que Jesus faz sobre o comportamento são maiores do que as que o senso comum - o orientador da ética geral - permite.

A ética geral diz que é errado matar alguém, mas a ética cristã diz que é igualmente errado odiá-lo. A ética geral apenas reprova o adultério como questão de “quebra de confiança”, mas a ética cristã o classifica como o único pecado cometido contra o próprio corpo. Há muitos outros exemplos.

Entretanto, não tenho visto acordo sobre a existência de uma estética cristã, que esteja para aparência do cristão assim como a ética está para seu comportamento. Ou, pelo menos, que, de certa forma, o obrigue a determinadas preferências como a ética cristã o obriga a determinados comportamentos.

Geralmente coisas assim são classificadas apenas como questão de gosto. Mas, será que qualquer uso que façamos de meios que atingem os sentidos de nosso próximo, ou deleitam o nosso coração, são indiferentes?

As Escrituras associam certos “aspectos” à realidades concretas, transmitindo-nos a impressão de que existe uma estética normativa. Veja os seguintes exemplos:

As referências que as Escrituras fazem a céu aparecem sempre associadas a claridade, luz, águas, alturas, harmonias, lado direito, caminho estreito, poucas pessoas, paz, etc. Ao passo que as referências a inferno aparecem sempre associadas a escuridão, trevas, sequidão, subterrâneos, barulho, lado esquerdo, caminho largo, multidões, guerra, etc.

A alegria sempre é associada com a virtude e a tristeza com o erro. Mas a alegria excessiva, sem domínio, também é condenada, como a tristeza pelos próprios erros é enaltecida.

A harmonia, a verdade, a cortesia, o frescor, os aromas e outros valores, que estão no limite entre a estética e a ética, são sempre mostrados como prêmios a virtudes cultivadas. Ao passo que seus opostos muitas vezes são usados para descrever castigos.

Prosperidade e penúria, saúde e doença, bom ânimo e abatimento, vitória e derrota, autocontrole e dissolução são também binômios antitéticos freqüentemente presentes e associados a bênçãos e maldições.

Há outras citações, mas, por amor à concisão, destaco as palavras do SENHOR através de seus profetas em que a beleza representa valores maiores. Por Jeremias (2.32) Deus se queixa de que a virgem não esquece seus adornos nem a noiva seu cinto, mas seu povo se esqueceu dele. E Isaías (61.10) refere-se a salvação como vestes e à justiça como manto tal qual o noivo que se adorna com um turbante e a noiva se enfeita de jóias.

O pregador nos ensina em (Pv 25.12) que “Como brinco de ouro e enfeite de ouro fino é a repreensão dada com sabedoria a quem se dispõe a ouvir.” e nos ordena: “Em todo tempo sejam alvas as tuas vestes, e jamais falte o óleo sobre a tua cabeça” (Ec 9.8). Porém nosso Senhor é mais explícito: “Tu, porém, quando jejuares, unge a cabeça e lava o rosto” (Mt 6.17).

Certos limites, porém, estão presentes: “... as mulheres, em traje decente, se ataviem com modéstia e bom senso, não com cabeleira frisada e com ouro, ou pérolas, ou vestuário dispendioso, porém com boas obras (como é próprio às mulheres que professam ser piedosas)” (1Tm 2.9-10).

Repare então que, muito próxima da ética, e debaixo de sua orientação, há, sim, uma estética cristã. Beleza e harmonia parecem ser seus valores principais, pois são os mais repetidos. Tal estética visa nosso próprio bem estar tanto quanto o bem estar de nosso próximo. Não tenho dúvida de que seja normativa e que estejamos obrigados a respeitá-la, pois além de exprimir valores eternos é a “manifestação cortez” da ética a que o Reino de obriga a todos os seus súditos.

sábado, 16 de agosto de 2008

149 anos de lutas

Na semana passada comemoramos 149 anos da implantação da Igreja Presbiteriana em nosso País. Na realidade comemoramos o dia da chegada do primeiro missionário, pois ainda a estamos implantando. Não posso dizer que foram 149 anos apenas de lutas, mas foram principalmente de lutas.

Encontramos receptividade e desafios.

Aliás, quando se anuncia o Santo Evangelho as respostas invariavelmente são as mesmas recebidas pelo Apóstolo Paulo no areópago em Atenas: Objeção, procrastinação e aceitação.

“Quando ouviram falar de ressurreição de mortos, uns escarneceram, e outros disseram: A respeito disso te ouviremos noutra ocasião. ... porém, alguns homens que se agregaram a ele e creram” (At 17.32-34).

Invertendo a ordem: encontramos receptividade entre os que já haviam conhecido as Escrituras pela mão dos colportores, que haviam visitado o Brasil anos antes, disseminando a Bíblia.

Encontramos receptividade também entre os que tinham luta comum contra o status quo, como os maçons e os republicanos, pois viam o protestantismo como uma posição política e cultural de vanguarda comum aos países mais desenvolvidos de então.

Algumas vezes tal receptividade resultou em conversões sinceras, outras vezes em apoio indispensável, mas sem comprometimento religioso, e outras em apenas cobeligerância contra um obstáculo comum.

A procrastinação teve também aspectos positivos, pois creio que ela é o fator principal da índole tolerante do brasileiro, que, se não foi extremamente receptivo, também não foi violentamente refratário como aconteceu em Espanha, Portugal e França e em outros países onde muito sangue foi derramado.

A objeção, assumiu os mais diversos aspectos. Sofremos perseguições e algum derramamento de sangue. Precisamos construir cemitérios, pois nossos mortos “não deveriam contaminar a terra santa onde descansava o corpo dos fiéis” apesar dela ser pública e não de uma denominação em particular. Tivemos de estabelecer escolas, pois nossos filhos eram proibidos de freqüentar a escola, ainda que fosse pública. Mas não há como comparar ao que nossos irmãos sofreram nos países citados.

A esse tipo de objeção - velada, política e algumas vezes violenta - correndo o risco de ser mal interpretado, atribuo à superstição (que acaba sendo o desenvolvimento dos mesmos fatores que geraram a procrastinação). e que infelizmente está sendo aumentada pelos “neo-evangélicos”. É principalmente neste ponto é que nossa luta de 149 anos continua.

Costuma-se dizer que o brasileiro é 1/3 indígena, 1/3 europeu e 1/3 africano. Portanto, 1/3 animista, 1/3 racionalista e 1/3 politeísta.

Não concordo. Pois o “europeu” que veio para cá havia ficado 400 anos debaixo da influência moura (mulçumanos que invadiram a península Ibéria através da África). Ou seja: o cristianismo que chegou aqui, com os portugueses, tinha muito pouco de Roma. Era mais místico, mais independente do Papa e mais submisso ao rei. Acima e tudo era “sebastianista”. Explico:

Portugal teve um rei (D. Sebastião), que foi morto com seu exército, enfileirados para o combate, mas esperando um sinal do céu para atacar o exército inimigo que estava na frente. Como o sinal não veio os inimigos atacaram com sucesso. No imaginário português, esse rei foi então guardado por Deus, mas voltará para “livrar Portugal”.

Essa crença era tão difundida, que Euclides da Cunha relata uma matança de crianças nas vizinhanças de Canudos, na esperança que o sangue delas trouxesse D. Sebastião de volta.

Ou seja: o cristianismo que chegou aqui com os portugueses era “messiânico”.

São esses os fatores que os neo-evangélicos e o movimento carismático se baseiam e mais atinge o brasileiro: O animismo, o messianismo e o politeísmo.

O animismo pode ser visto nas pajelanças travestidas de rodas de “cura divina”. O messianismo, nas promessas sempre renovadas - mas nunca cumpridas - de vitória sobre todas as vicissitudes. E o politeísmo no número enorme de santos especialistas e nas pessoas com “oração de poder”.

Nossa luta continua. Os mesmos desafios de 149 anos atrás ainda estão presentes.

sábado, 9 de agosto de 2008

O Pai, o Filho e os demais filhos

O curso de catecúmenos em nossa Igreja é, na verdade, um estudo aprofundado do Credo Apostólico e os que o fazem são, desde a primeira aula, expostos a uma afirmação inquietante: “Creio em Deus Pai, todo poderoso, criador do céu e da terra”.

Chamo a esse artigo do Credo de afirmação inquietante por ele abordar dois tipos de paternidade e não deixar muito espaço para conjecturas: ou se crê que Deus as exerce ou não.

Quando o Credo chama Deus de Pai, está fazendo uma alusão direta à doutrina da Trindade em que a Primeira Pessoa é conhecida como Pai.

As Escrituras Sagradas estão cheias de afirmações sobre filhos de Deus, e nós, Cristãos, deixamos bem claro no segundo artigo do mesmo Credo: “Creio em Jesus Cristo, seu único Filho, nosso Senhor...”.

Como vemos na classe de catecúmenos é muito difícil de entender a relação entre a Primeira e a Segunda Pessoa da Santíssima Trindade, pois as Escrituras falam dela como uma relação de paternidade e filiação estrita: “Nós vos anunciamos o evangelho da promessa feita a nossos pais, como Deus a cumpriu plenamente a nós, seus filhos, ressuscitando a Jesus, como também está escrito no Salmo segundo: Tu és meu Filho, eu, hoje, te gerei” (At 13.32-33).

A Segunda Pessoa da Trindade é filha da Primeira por geração: Geração eterna! A única comparação possível com o que conhecemos é a que o Apóstolo João usa: O Verbo.

Ele é Filho do Pai como a palavra (o verbo) é filho do falante. Como Deus é eterno, e falou na eternidade (antes que houvesse tempo) seu Filho “é eternamente gerado”.

Porém para que nós, nascidos no tempo, fôssemos alcançados pelas bênçãos decorrentes da “geração eterna” do Filho, ele se fez um de nós: “... ele, subsistindo em forma de Deus, não julgou como usurpação o ser igual a Deus; antes, a si mesmo se esvaziou, assumindo a forma de servo, tornando-se em semelhança de homens; e, reconhecido em figura humana, a si mesmo se humilhou, tornando-se obediente até à morte e morte de cruz” (Fp 2.6-8).

Como se o artista perfeito resolvesse fazer estátuas de seu filho. Tanto as estátuas quando seu descendente poderiam ser chamados de “filhos”. Mas há alguma comparação entre a pedra esculpida e o descendente além da imagem?

Assim também nós, criaturas do Supremo Artista, fomos feitos imagem do verdadeiro Filho. Surpreendentemente, o Verdadeiro Filho, torna-se um de nós, a fim de sermos como ele é.

Graça impar!

“Por isso, é que ele não se envergonha de lhes chamar irmãos, dizendo: A meus irmãos declararei o teu nome, cantar-te-ei louvores no meio da congregação. E outra vez: Eu porei nele a minha confiança. E ainda: Eis aqui estou eu e os filhos que Deus me deu.

Visto, pois, que os filhos têm participação comum de carne e sangue, destes também ele, igualmente, participou, para que, por sua morte, destruísse aquele que tem o poder da morte, a saber, o diabo, e livrasse todos que, pelo pavor da morte, estavam sujeitos à escravidão por toda a vida.

Pois ele, evidentemente, não socorre anjos, mas socorre a descendência de Abraão. Por isso mesmo, convinha que, em todas as coisas, se tornasse semelhante aos irmãos, para ser misericordioso e fiel sumo sacerdote nas coisas referentes a Deus e para fazer propiciação pelos pecados do povo. Pois, naquilo que ele mesmo sofreu, tendo sido tentado, é poderoso para socorrer os que são tentados” (Hb 2.11-18).

sábado, 2 de agosto de 2008

O Supremo Pastor e seus cooperadores

Aquele que chamou seu povo de rebanho foi o mesmo que, nos tempos antigos, era conhecido como O Pastor de Israel. O mesmo que inspirou a Davi - seu servo e também pastor desde a infância - a chamá-lo de pastor e atribuir-lhe todas as qualidades de um bom pastor.

Portanto, ele sabe o que é ser pastor. Conhece bem a natureza de seu povo para compará-lo a um rebanho.

Aquele que, feito um de nós, vendo aos que viera resgatar como “ovelhas que não tem pastor”, supriu-lhes as necessidades materiais, espirituais e disse de si mesmo: “Eu sou o Bom Pastor”. Comparou-se a um pastor que deixa noventa e nove ovelhas em segurança e sai em resgate de uma que se perdeu. E, depois de salvá-la, carrega-a nos braços de volta ao aprisco.

Portanto, ele sabe também que a melhor figura para representar seu povo é um rebanho. Um rebanho perdido e debilitado, que precisa ser trazido de volta nos braços.

Ele então chamou diversas pessoas como seus cooperadores e os dotou com o dom fundamental que todos os pastores devem ter: o cuidado.

*.*

Numa sociedade agropastoril, como era aquela em as Sagradas Escrituras foram escritas, um rebanho era o bem mais precioso que alguém podia ter.

Dele se extraía a lã e o leite e secundariamente a carne o couro, os chifres e as unhas. Porém, no Israel bíblico o maior valor do rebanho residia em sua “capacidade de culto”.

A maior parte dos ritos do culto deles consistia no oferecimento da vida de um cordeiro - o que prefigurava o “Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo”. Mas não poderia ser qualquer cordeiro: devia ser primogênito, em seu primeiro ano de vida, sem qualquer tipo de defeito ou mancha: Uma matriz.

Levando em conta que as ofertas contínuas no templo chegavam a 800 cordeiros por ano, era necessário que os rebanhos “produzissem a milhares e a dezenas de milhares” para obterem outras matrizes.

Ora, se um rebanho tinha tanto valor assim para seu dono, o que dizer do rebanho do Bom Pastor? Aquele pelo qual ele não hesita em dar sua própria vida?

Nessa época, mesmo um pequeno rebanho, cuidado por seu próprio dono, demandava auxiliares. E, se o rebanho fosse grande, os próprios pastores rodiziavam-se nos cuidados diretos e indiretos, essenciais para a manutenção do pastoreio.

*.*

Ter cuidado com as ovelhas era fundamental, para o pastor que olhava para cada uma e distinguia tanto eventuais enfermidades como qualidades necessárias para servirem de culto.

Ter cuidado com os perigos era fundamental ao pastor que rodeava o rebanho atento ao que se aproximava.

Ter cuidado consigo mesmo era fundamental ao pastor que havia de passar a noite ao relento, e ser hábil no cajado com que acolheria a ovelha e no bordão que espantaria o lobo.

*.*

Hoje nossa Igreja recebe novos pastores. Todos terão por missão cuidar do rebanho em suas necessidades mais básicas. O farão lembrando-se sempre que o rebanho não lhes pertence e que o dono do rebanho o tem em tão grande valor que deu sua vida por ele. São pastores, e melhores pastores serão, se imitarem o Supremo Pastor.

Os três cuidados que citei ainda estão em vigor. Mas é necessário adaptá-los, pois as ovelhas de antes eram apenas tipos das novas ovelhas que o Senhor reuniu em sua Igreja.

Os lobos de outrora eram nada comparados à nova raça de hoje (geneticamente modificada nos laboratórios mais sórdidos dos corações pecaminosos e dos demônios mais hábeis).

E as necessidades pessoais não se limitam a suportar uma simples noite ao relento, mas os séculos de uma noite tenebrosa “até que o dia clareie e a estrela da alva nasça”.

Portanto, pastores da Igreja Presbiteriana da Ilha dos Araújos, sejam os que ministram às mesas, sejam os que se dedicam a oração e a palavra, “atendei por vós e por todo o rebanho sobre o qual o Espírito Santo vos constituiu bispos, para pastoreardes a igreja de Deus, a qual ele comprou com o seu próprio sangue” (At 20.28).

sábado, 26 de julho de 2008

Yap os “Rahi” e nós

Querendo mostrar o quanto os valores dependem de nós mesmos e não das coisas em si, Peter Bernstein, em seu livro “O Poder do Ouro”, escreveu sobre uma das ilhas da Micronésia chamada Yap, e citou William Furness, antigo estudioso daquela cultura: “a comida, a bebida e as roupas dão nas árvores e são acessíveis a todos”. Os habitantes daquele pequeno lugar viviam com fartura: entre eles não havia opulência, mas também não havia miséria.

Porém não se sabe por que, partir de dado momento inventaram um modo de se destacar uns dos outros e criaram uma moeda. Na verdade um “objeto de valor”. Era uma pedra calcária extraída de uma ilha vizinha: os “Rahi” (ou Fei).

Em formato de discos, variavam em tamanho, desde o diâmetro de um pires, até outras que, de tão grandes, eram furadas ao meio para duas pessoas poderem carregar.

Quanto maior a pedra, mais rico era seu dono. E alguns eram “tão ricos” que tinham de deixar suas pedras próximas ao mar, onde eram feitas. Todos sabiam quem era o dono de qual. E, se as menores podiam ser usados como moeda de troca, as maiores representavam o patrimônio de uma família que podia ser deixado aos herdeiros. Mas nunca saíam dali. Roubá-los? Prá que? Alem de ser trabalhoso todos saberiam quem era o verdadeiro dono.

O mais interessante é que o “Rahi” da família mais rica não estava visível. Afundara em uma tempestade enquanto era trazido pelo dono que supôs ser melhor fazê-la na ilha de onde vinham as pedras, pois só teria de transportar o “Rahi” e não a pedra toda da qual ele seria esculpido.

Quando os alemães, na guerra, invadiram a ilha só conseguiram obrigá-los a construir uma pista de pouso “confiscando seus “Rahi”. Pintavam neles uma suástica - sem tirá-las de seus lugares - prometendo devolvê-las - apagar a suástica - logo que a pista fosse terminada.

Você deve estar pensando que esse pessoal de Yap era muito ingênuo, mas será que eles eram mais ingênuos do que nós?

O Apóstolo Pedro nos ensina que já nos foram dadas todas as coisas que conduzem à vida e a piedade. Temos a vida eterna e disso não duvidamos, mas somos piedosos? Ou seja: vivemos vidas santas?

Como os nativos de Yap recebemos de Deus os meios de vida. Eles receberam os meios de vida física e nós de vida espiritual. Temos tudo o de que necessitamos para viver a vida que Deus exige de nós, mas inventamos nossos “Rahi” para mostrar a todos o quanto somos espiritualmente ricos.

Não são verdadeiros “Rahi” algumas crendices que inventamos? E acaso conseguiremos ser mais ricos da graça de Deus usando nossas invenções? Acaso superaremos a abundância e a ordem com que ele nos sustém, fazendo pedras?

Ao criar essas coisas que não estão previstas em sua Palavra, a única coisa que fazemos é nos tornar mais orgulhosos e menosprezar nossos irmãos.

Correntes de oração, reuniões de poder, pactos ou votos embaraçosos, bênção de “irmãos poderosos”, copo de água sobre o rádio, Bíblia com o Salmo 91 aberto em direção da porta... o que mais?

Alguns anos atrás “quase bati” em um colega pastor que insistia em que eu batizasse o filho dele com água que trouxera do Rio Jordão.

Geralmente se diz: se não fizer bem, mal não faz. Faz sim! Em vez de receber com louvores a fartura com a qual Deus nos agracia, nossa atenção passa a ser desviada para confecção de pedras, às quais fatalmente daremos mais valor do que ao que vem das divinas mãos.

Examine bem sua vida. Veja se você está fazendo - ou já fez - alguns “Rahi”. E saiba de uma coisa: eles só servem para lhe prejudicar. Livre-se deles.

sábado, 19 de julho de 2008

Lembranças da adolescência

Quando leio o Salmo 23 sempre me lembro de que Davi estava falando do que conhecia bem. Afinal, quando adolescente, ele cuidava das ovelhas de sua família. Mas, repare bem: quando adolescente.

De fato, depois de ir levar comida a seus irmãos que estavam no campo de batalha contra os filisteus, não há mais indicações históricas de que ele tenha voltado para sua rotina de casa.

Chegando ao campo de batalha viu o pavor que Golias infundia nos soldados de Israel, inclusive em seus irmãos, e decidiu enfrentá-lo. O resto da história sabemos desde a infância.

Vitorioso, foi levado por Saul para seu palácio e lá ficou. Mesmo quando perseguido por Saul e refugiado em cavernas, desertos, ou nações vizinhas, não há relato de que ele tenha voltado à viver na casa de seu pai; muito menos de que voltasse a cuidar de ovelhas.

Para mim este Salmo está calcado sobre as reminiscências de sua adolescência. Aliás prefiro pensar que ele tenha sido escrito em sua velhice, pois sinto nas entrelinhas um cheiro de saudade próprio de quem já viveu bastante.

Aquele que, quando adolescente, fora pastor de ovelhas, agora é o “pastor de Israel”: E lembrando-se do que fazia às suas ovelhas, vê seu dever para com a nação sobre a qual reina. Nesse contexto é que entendo como ele percebe que o Bom Pastor é muito mais atencioso. “Nada me faltará”, portanto, é mais do que uma expressão: é sua constatação diária.

Nos cuidados de alimentar, pastos verdes e águas tranqüilas são retratos da suprema providência do Bom pastor. Providência tão especial que ele não conclui referindo-se simplesmente ao alimento físico, que poderia ser expresso por “sacia-me” ou “dessendenta-me”, mas com “refrigera minha alma” que fala muito mais de satisfação espiritual.

Nos cuidados de levar, fica ainda mais clara a preocupação espiritual. As veredas pelas quais ele é guiado não são descritas como gramadas, sem pedras, ou macias - como aquelas nas quais ele guiava seu rebanho - mas como “veredas de justiça”. E o vale perigoso, no qual a morte faz sombra, é enfrentado sem temor, pois o carinho do cajado que puxa pra perto e a prontidão da vara que afasta o perigo é verdadeiro “consolo”.

Nos cuidados de tratar, a mesa, o óleo e o cálice, as necessidade do espírito esclarecem totalmente que ele não refere-se a simples ovinos. A mesa, apesar de ser defronte, não é afetada pela presença dos adversários. O óleo não é usado para pensar feridas, mas para ungir a cabeça semelhantemente ao que se fazia a um sacerdote. O cálice, de abundante, transborda.

E, nos cuidados finais, ele sequer menciona o carnear ou a tosquia - finalidade primeira de uma ovelha - mas a habitação na casa do Bom Pastor, escoltado por sua bondade e sua misericórdia. Não por alguns dias, nem por uma temporada, mas para todo sempre.

O Salmo 23, por tudo isso, é um Credo em que as reminiscências do passado, falam do que ocorre no presente e apontam para a esperança no futuro. É também uma confissão da dependência divina de todos aqueles que conhecendo suas limitações de ovelhas confiam na graça do Bom Pastor.

Faça dele suas palavras. Eu já o fiz minhas.

sábado, 12 de julho de 2008

A alma redimida e seu Amado

As Escrituras Sagradas, em muitos lugares, nos exortam a progredir na fé: Jesus nos ordena a frutificar; o escritor da Carta aos Hebreus, igualmente, a que, deixando o leite, busquemos alimento sólido, pois atendendo ao tempo decorrido já deveríamos ser mestres; o Apóstolo Paulo deplora nossa meninice e exorta a que atinjamos a estatura de varão perfeito e em outro lugar a que desenvolvamos a nossa salvação. Progredir na fé não é algo opcional é uma obrigação.

Um belo exemplo de como progredimos na fé aparece no relacionamento entre os cônjuges do Cântico dos Cânticos, nas três declarações semelhantes da esposa:

Em 2.16: “O meu amado é meu, e eu sou dele”.

Em 6.3: “Eu sou do meu amado, e o meu amado é meu”.

Em 7.10: “Eu sou do meu amado, e ele tem saudades de mim”.

Essas afirmações retratam diversos estágios da maturidade do relacionamento conjugal. E, tomando os princípios de interpretação usados pelo Apóstolo Paulo no capítulo dez de sua primeira carta aos coríntios, podemos entendê-las melhor.

No primeiro estágio, com a avidez própria de quem encontra algo muito precioso - como aquela pérola de grande preço da parábola do Senhor - esse bendito relacionamento caracteriza-se por uma espécie de “egocentrismo” da esposa em que se destaca seu afã em afirmar posse sobre seu amado.

A mútua pertença está presente, mas note a ordem: “o meu amado é meu”. Só depois ela afirma “e eu sou dele”. Assim também ocorre ao cristão no início de sua vida.

Os que insistem em permanecer nesse estágio transmitem a impressão de que Deus lhes é propriedade exclusiva. E chegam a tratá-lo como servo, determinando e exigindo dele as coisa mais estapafúrdias e pueris. Se não chegam a negar a fé por palavras o fazem pelas obras.

Os que procedem amadurecendo chegam ao segundo estágio em que as relações de pertença ainda continuam mútuas, mas a ordem se inverte: “Eu sou do meu amado” e depois “o meu amado é meu”.

Pelo conhecimento maior e melhor de quem é o Amado de nossas almas as prioridades também se invertem. Muitas coisas então passam a fazer sentido. Como, por exemplo, as palavras do Amado: “Não fostes vós que me escolhestes a mim; pelo contrário, eu vos escolhi a vós outros...”.

E a medida da estatura da plenitude de Cristo é expressa na última declaração: “Eu sou do meu amado, e ele tem saudades de mim”.

Para que essa frase fique mais clara optarei por outra tradução, já que “saudades” dilui o significado do verbo hebraico.

A maioria das traduções usa o verbo desejar. E, de fato, a palavra hebraica aqui é a mesma com que Deus amaldiçoou o desejo da mulher logo após o pecado: “... o teu desejo será para o teu marido...” (Gn 3.16).

Neste estágio a Redenção aparece completa. A salvação foi desenvolvida ao limite do que é possível nesta vida. Já não é mais a mulher, que escravizada pelo pecado, tem seu desejo como propriedade do marido (o que ocorre até hoje aos que não foram redimidos por Cristo), mas é o marido que nutre desejos por sua esposa.

Dentro desse contexto é que se pode entender as ordens veementes da Escritura de que o marido deve amar a esposa como Cristo ama a Igreja.

Também, dentro desse contexto é que os redimidos, seguros, amadurecidos e firmes - quais cônjuges amados - desenvolvem sua salvação junto ao Amado de suas almas.

A vida conjugal redimida - de cônjuges redimidos - é um notável paralelo entre a vida cristã, até mesmo em seu desenvolvimento.

Por essa razão Deus detesta tanto o divórcio e a vida conjugal sem compromisso.

sábado, 5 de julho de 2008

Já não és digno de ser meu pai!

Sob nenhuma hipótese teríamos coragem de concordar com um filho que dissesse isso de seu pai. Porém, às vezes, agimos assim com nosso Pai celeste. E ele sabe! Não apenas sabe, como nos alerta, direta ou indiretamente, sobre o quanto isso o desagrada. Um desses alertas é a Parábola do Filho Pródigo.

Você se lembra? O filho caçula pediu adiantado a parte da herança a que tinha direito afrontando enormemente a seu pai, pois seu ato subentendia que o considerava morto.

Afrontou-o mais ainda quando vendeu tudo o que tinha, demonstrando que não pretendia mais voltar àquela casa e dela só queria levar o que pudesse ser gasto em outro lugar. E, aumentou a afronta dissipando o suor de seu pai dissolutamente em terra estranha.

Porém, longe da casa do pai, vendo-se reduzido ao destino de todos os que quebram o quarto mandamento - cuidar de porcos - quando tentou comer a comida deles, e não deixaram, percebeu o quanto aviltara-se. Lembrou-se então de onde era digno: a casa de seu pai.

Sua consciência pesada não o permitia ver a bondade do pai em toda sua extensão, mas tinha certeza de que, mesmo como reles patrão, seu pai era mais bondoso do que as pessoas com quem convivia.

Ensaiou um pedido de perdão cujo término era a frase “já não sou digno de ser chamado teu filho”. Nesta frase, que falta nos lábios do irmão mais velho, está expresso o verdadeiro reconhecimento da bondade de seu pai e de sua miserabilidade.

Nas queixas do irmão mais velho, e especialmente em recusar-se entrar na casa onde o pai recebera com festas o caçula, está presente a terrível inversão: “Já não és digno de seres chamado meu pai”.

Do mesmo modo que o caçula ele também recebeu adiantado a parte que lhe cabia dos bens: “... e lhes repartiu os haveres”. Mas, diferentemente do caçula, foi hipócrita e continuou em casa vendo no pai apenas um patrão: “... a tantos anos que te sirvo, sem jamais transgredir uma ordem tua, e nunca me deste um cabrito sequer para alegrar-me com os meus amigos”.

Sua afronta ao pai tornou-se pior do que a afronta do caçula, pois ele obrigou o paia sair de casa tentando conciliá-lo.

Afinal, o que suas queixas e atitudes dizem senão que o pai tinha se tornado indigno dele? Não estava claro o pensamento de que ele era bom demais para ser filho daquele pai?

O comportamento do caçula parece-nos mais comum do que o comportamento do mais velho, mas, examinando bem, ele é apenas mais visível, e os dois são igualmente comuns.

Certa vez, explicando que, apesar de infinitamente amoroso, o Pai Celeste também é infinitamente justo e não deixará o ímpio sem castigo, alguém me respondeu: “... mas Deus não é assim. Se eu não guardo rancor de ninguém, imagine Deus”. Esta pessoa acabara de declarar que se achava mais digna do que Deus.

Quando rejeitamos a simplicidade do Evangelho e a verdadeira festa que o Pai faz ao receber de volta seu filho perdido, e, como o irmão mais velho, dizemos “não gostei”, não estamos cometendo o mesmo pecado?

“Já não és digno de ser meu pai. Vou procurar quem me satisfaça. Entrarei na casa onde eu seja valorizado” ... Como eu escuto, cada dia mais, frases assim!

Meus irmãos; desejo de todo coração, que atitudes assim estejam cada vez mais longe de nós. Especialmente considerando, que nossos quarenta anos como Igreja de Deus pressupõem, conforme as Escritura, que já “deveríamos ser mestres atendendo ao tempo decorrido”.