domingo, 4 de janeiro de 2009

Homem de dores

No ano passado escrevi sobre a alegria que o velho Simeão deve ter sentido ao tomar nosso Senhor nos braços. De fato, qualquer um de nós, conhecendo o que Simeão conhecia, sem dúvida, se alegraria. Entretanto nosso Senhor viveu à sombra do sofrimento, e não foi sem razão que o profeta o chamou de homem de dores. Não sei bem se daí poderia inferir tristeza, porém vale a pena lembrar alguns episódios de sua vida.

As condições em que ele nasceu: Sujeito à burocracia de um censo que visava determinar a base tributária de uma colônia invadida. Em uma cidade “pequena demais para figurar entre as principais de Judá”, cuja a única estalagem (Lucas fala no singular) lotada o remeteu a uma estrebaria.

Seus primeiros anos: Aos oito dias recebeu no corpo a única marca permitida a um Judeu: a circuncisão. Isso visava trazer à lembrança a todos os descendentes de Abraão que Deus era o Senhor até sobre os atos mais íntimos e recônditos da vida. Nosso Senhor precisava ser lembrado disso? Não. Mas precisava cumprir a lei.

Aos quarenta dias foi reconhecido por um velho Simeão, farto de dias, que viu nele o sinal de seu próprio fim. Também por uma anciã de oitenta e quatro anos que dedicara-se a adorar a Deus no templo desde que seu marido morrera. Até aqui foi reconhecido apenas por humildes e inexpressivos pastores e por estes dois anciãos.

Com quase dois anos de idade, vieram, do oriente, homens importantes, trazendo presentes e declarando terem vindo adorar o Rei dos Judeus. Se eles queriam adorá-lo o ocupante do trono não estava disposto a abdicar. E, então as perseguições começaram. Não achando-o, várias crianças de sua idade foram mortas na esperança de que ele estivesse entre elas. A perseguição o fez refugiado político onde não o procurariam, em um país proibido aos judeus: “... o SENHOR vos disse: Nunca mais voltareis por este caminho” (Dt 17.16).

Mesmo quando voltou a sua terra natal, (aos seis anos?) não pôde morar onde seus pais queriam, pois o rei de lá era tão cruel quanto seu finado pai. Foi morar em Nazaré. Lugar tão miserável que mais tarde Natanael - homem reconhecido pelo próprio Senhor Jesus como isento de dolo - perguntará a seu irmão: “De Nazaré pode sair alguma coisa boa?” (Jo 1.46).

Até mesmo a alegria do ‘Bar Mitzvá’, quando seria declarado religiosamente maior de idade, apto a desfrutar da companhia, conversa, e ritos de todos os homens judeus, é ofuscada pelo incidente em que o leva a declarar na frente de seu pai terrestre que estava na casa de seu verdadeiro pai.

Se pouco sabemos entre os doze primeiros anos e o que sabemos é marcado pela tristeza e pela dor, dos doze aos trinta não deve ter sido diferente. De José os Evangelhos não falam mais e Jesus assume sua profissão e certamente os deveres de um filho primogênito: “Não é este o carpinteiro, filho de Maria, irmão de Tiago, José, Judas e Simão? E não vivem aqui entre nós suas irmãs?” (Mc 6.3). Provavelmente José havia morrido.

Sobre suas irmãs nada sabemos. Nem quantas eram, nem seus nomes. Gosto de pensar que eram duas, pois seria normal a um casal daqueles dias ter sete filhos em doze anos. Mas, parece que, juntamente com seus irmãos, elas também foram motivo de tristeza para ele: “Dirigiram-se, pois, a ele os seus irmãos e lhe disseram: Deixa este lugar e vai para a Judéia, para que também os teus discípulos vejam as obras que fazes. Porque ninguém há que procure ser conhecido em público e, contudo, realize os seus feitos em oculto. Se fazes estas coisas, manifesta-te ao mundo. Pois nem mesmo os seus irmãos criam nele” (Jo 7.3-5).

De seus discípulos mais chegados escutou discussões sobre quem seria o maior. Diante deles elogiou a fé de um soldado romano como a maior que já vira e em seguida os repreendeu no meio de uma tempestade como “homens de pouca fé”. Não foram poucas as vezes em que os censurou a incredulidade. Dois o traíram. Um por trinta moedas e outro por pura vergonha. Nenhum conseguiu manter-se acordado em sua noite mais dolorosa. E na hora mais difícil todos o abandonaram.

Realmente era homem de dores e sabia o que era padecer. Entretanto, além dessas que foram registradas nos Evangelhos, devemos somar as que nós colocamos sobre seus ombros. Certamente não foram poucas. Aliás, não são poucas, pois continuamos a fazê-lo sofrer já que ele intercede por nós junto ao Pai.

Como é pueril, para não dizer mal-sã, essa alegria toda que tem contaminado seu rebanho, que troca a cruz, deixada por ele, em quem devemos nos gloriar, por festas e mais festas sem sentido, que são apenas pretextos para dar ocasião a carne.

Como deveria ser reverente nosso comportamento e nossas disposições para com o Homem de Dores que soube o que é padecer exatamente por causa de nosso fútil procedimento.

Devemos nos alegrar, sim, por tudo o que dele recebemos. Mas nunca deixemos que o preço dela seja ofuscado.

Um comentário:

Marcelo de Paula disse...

Que beleza de reflexão, Pastor...

Deus seja louvado.