sábado, 29 de dezembro de 2012

O mundo não acabou. O ano sim.

Anos atrás alguns adolescentes me pediram para falar sobre Calendários (quem me conhece sabe que gosto desse assunto). Pedi um tempo e me preparei. Mostrei o desenvolvimento dos diversos calendários que precederam o nosso: O sumério, o judeu, o romano antigo e o juliano, o gregoriano antigo, o revolucionário francês, e o gregoriano atual.

Um que estava impaciente então me perguntou: “E o calendário maia, que diz que o mundo vai acabar em 21/12/12”? Entendi então o convite (só não fiquei bravo com eles, por ter aprendido tanto estudando todos esses calendários): “Tá na cara que isso é promoção de algum filme ou livro”. Respondi.

Não. Meu professor garantiu que os cientistas estão levando a sério. O mundo vai mesmo acabar, pois o calendário acaba nesse dia”. Retrucou.

Quantas profecias de fim do mundo não foram feitas, por quantos professores, cientistas, pastores, padres, “profetas”, doidos...

Quantos crédulos? Desde adolescentes a pais de família que as receberam como verdadeiras, largaram tudo, foram pros montes, e tiveram depois de pedir de volta o que deram?

Até hoje temos entre nós seitas que se vangloriam de uma reputação séria, mas que foram criadas sobre falsas promessas de fim de mundo.

Acaso nosso Senhor poderia ser mais claro? “...a respeito daquele dia e hora ninguém sabe, nem os anjos dos céus, nem o Filho, senão o Pai” (Mt 24.36).

Um dia o mundo vai acabar, mas o dia nenhum de nós sabe. Por enquanto o que se acaba são os anos, os meses, as semanas, os dias, as horas, os minutos, os segundos... ou seja: aquelas porções de tempo que delimitamos para facilitar nossa contagem do mesmo.

Hoje, ao abrir os olhos, eu agradeci a Deus a noite de sono reparador e pedi que ele me ajudasse a administrar o tempo que se estendia na minha frente. Aparentemente o dia estava livre de compromissos e eu teria apenas que dar a forma final no texto que você está lendo agora, na exposição do Salmo 138 para o momento devocional da Reunião de Oração de quinta-feira à noite, no Estudo Bíblico da Escola Dominical, no sermão de Domingo à noite e no sermão do Culto de Vigília do dia 31 de Dezembro. Se ninguém me interromper talvez eu consiga fazer uma dessas coisas hoje ainda. Mas, se por alguma necessidade eu precisar aconselhar ou visitar alguém, provavelmente terei de acordar mais cedo amanhã.

Assim gerencio o tempo que Deus me dá. Assim creio que fazemos todos nós. Acomodamos nossas obrigações ao que dispomos, preparados para imprevistos.

Mas, e o planejamento de um tempo maior que um dia? Por exemplo, de um ano? Cada dia está mais difícil de fazer. Entretanto, não há desculpas para não tentar. Por exemplo: Em vez de fazer uma promessa de ano novo, que tal fazer um planejamento?

Vou acordar 15 minutos mais cedo e orar (se for o caso, debaixo do chuveiro pra não dormir) a fim de ter uma vida mais íntima com Deus. Ou, vou procurar emagrecer meio quilo a cada 2 meses de modo a perder seis quilos em 2013. Ou, vou colocar 100 reais na poupança todos os meses para ficar 15 dias de férias em janeiro de 2014.

Percebeu? Planejamento a longo prazo exige clareza de objetivo e de métodos. E cá entre nós: o primeiro passo é tão importante quanto os demais. Se o primeiro passo não for dado os outros também não o serão.

Temos duas vantagens:

1) Deus nos ajuda: A Bíblia repete isso desde seu começo, mas eu ainda prefiro ouvir as palavras de Moisés: Salmo 90.17: Seja sobre nós a graça do Senhor, nosso Deus; confirma sobre nós as obras das nossas mãos, sim, confirma a obra das nossas mãos.

2) Se em vez do ano, o mundo acabar, nossos planos serão ampliados e aquilo que estivermos fazendo serão recebidos pelo Senhor como prova de nossa fidelidade: Lucas 12.42-44: Quem é, pois, o mordomo fiel e prudente, a quem o senhor confiará os seus conservos para dar-lhes o sustento a seu tempo? Bem-aventurado aquele servo a quem seu senhor, quando vier, achar fazendo assim. Verdadeiramente, vos digo que lhe confiará todos os seus bens.

quinta-feira, 13 de dezembro de 2012

Um pouco mais sobre estrebarias

Se você leu com atenção o texto de domingo passado, percebeu que minha intenção foi leva-lo a refletir na razão pela qual o Senhor nasceu numa estrebaria. Alegorizei, garantindo que a lição mais básica que se pode tirar é que, mesmo que seu coração seja tão humilde - ou sujo - quanto uma estrebaria daqueles dias, o Redentor pode fazer nele morada.

Entretanto, não é prudente a um pastor reformado manter seu rebanho longe dos pastos verdes e das águas tranquilas que são o texto, em si mesmo. A alegoria é útil até certo ponto, mas deve ser usada com cuidado, pois o próximo passo seria: “Eles foram pra estrebaria por que ninguém deu lugar. E hoje? Você está negando lugar ao Senhor Jesus?” Ora, bem sabemos que ele nasce no coração que quer. Ninguém tem a capacidade de ordena-lo que nasça em seu coração. Portanto. Vamos parar com a alegoria por aqui enquanto é tempo.

Voltando ao texto de Lucas - o único a registrar esses acontecimentos - uma leitura cuidadosa nos mostra que ele fala de uma hospedaria: não havia lugar para eles na hospedaria.” (Lc 2.7). Parece que Belém só dispunha de apenas uma hospedaria. Veja um pouco sobre Belém:

A história registra que Davi suspirou por um gole da água do poço que está em Belém (2Sm 23.15), como se todas as casas se abastecessem de um poço só. O próprio nome Belém deriva-se das palavras hebraicas beith lehem (forno, ou literalmente casa de pão), o que é uma alusão ao costume comum nas vilas pequenas de ter um só forno onde todos aproveitavam a lenha para assar, de uma vez, os pães que cada família preparava. E o profeta Miquéias fala explicitamente de seu tamanho pequeno: “E tu, Belém-Efrata, pequena demais para figurar como grupo de milhares de Judá, de ti me sairá o que há de reinar em Israel, e cujas origens são desde os tempos antigos, desde os dias da eternidade” (Mq 5.2).

Mesmo nos tempos de Jesus, Belém era um povoado. Tanto é que se fosse recensear apenas seus moradores, a base tributária seria muito pequena (pois esse era o objetivo dos censos romanos: estabelecer em quanto se poderia tributar as colônias) então se determinou que todos os descendentes de Judá, que tinham Belém como sua cidade mãe, fossem lá se alistar perante as autoridades romanas.

Portanto, imaginar Belém, nos dias em que Jesus nasceu com apenas uma hospedaria é até admirável. Era de se esperar que não houvesse.

Quanto a hospedaria cheia, não pensemos que estivesse lotada de judeus da mesma tribo de José, mas de soldados romanos que tinham prioridade. Porém, o exército romano era, em quase sua totalidade, constituído de infantaria. Daí os estábulos vazios, ou pelo menos, desocupados o suficiente para que a família de José fosse abrigada neles.

Segundo estudiosos como Richard Lenski, as hospedarias de então, eram construções com apenas um portão e voltadas para um pátio interno. Feitas de madeiras com dois andares, sendo que no superior se alojava o hospede, e sob seus aposentos ficavam seus animais e os servos, naquilo que poderia ser chamado de estrebaria.

Se o andar superior estava ocupado por soldados romanos de infantaria os estábulos inferiores estavam vazios. Portanto, lá alojaram-se José e Maria. E ficaram lá por alguns dias. Talvez semanas, pois o texto diz: “Estando eles ali, aconteceu completarem-se-lhe os dias, e ela deu à luz o seu filho primogênito, enfaixou-o e o deitou numa manjedoura, porque não havia lugar para eles na hospedaria” (Lc 2.6-7).

A ideia de que a hospedaria ficava junto a uma encosta e seus estábulos em uma gruta, parece ter recebido apoio de Justino (114-165 d.C.) em seu Diálogo com Trifão o que levou Helena, Mãe do Imperador Constantino em 326, a se decidir pelo lugar em que edificou a atual igreja e incrustou no chão uma estrela de prata pretendendo marcar o lugar exato onde Jesus nasceu.

Há mais uma coisa que o texto nos leva a pensar: a ausência de apoio de algum parente. Afinal, eles estavam indo à cidade onde a tribo de Judá, família de José, tinha como sendo sua cidade de início. Pior, estavam indo em uma situação delicada: Maria estava grávida. Será que não encontraram nenhum parente que pudesse abriga-los? Essa questão só pode ser respondida com “não sei”. Porém é a questão que mais depõe contra a ideia de que José era um velho. Pois se fosse velho, as chances de ser conhecido seriam maiores. Mas, sendo jovem e casado com uma jovem - mesmo que de linhagem sacerdotal - mas vindo de uma cidade da Galileia, cheia de gentios, evitada por Judeus mais conservadores, certamente não o conheceriam.

Mas, o que há de importante nisso tudo? É possível destacar algumas coisas, porém vou me ater a uma: Aquele que habitava em luz inacessível, não hesitou em trocar seu trono celestial por um estábulo e finalmente por uma cruz por amor de nós. Nas palavras do apóstolo: “...pois conheceis a graça de nosso Senhor Jesus Cristo, que, sendo rico, se fez pobre por amor de vós, para que, pela sua pobreza, vos tornásseis ricos” (2Co 8.9).

Glória a Deus nas maiores alturas e paz na terra à quem ele quer bem!

sexta-feira, 7 de dezembro de 2012

Em uma estrebaria

Phillip Keller, em seu livro Cordeiro de Deus, conta que em uma viagem pelo Paquistão, foi surpreendido por uma tempestade fortíssima e convidado a abrigar-se em uma casa muito pobre, na qual teve de entrar agachado, tão diminuta era a porta.

Viu-se em um cômodo sem janelas, com uma trempe ao centro com a panela em que se cozinhava a refeição aquecida por um fogo fumacento em que a lenha era esterco de animais. Depois de alguns minutos, após se acostumar ao fedor acre e ao ardor da fumaça nos olhos, percebeu do outro lado do cômodo, uma jovem magra com um bebê no colo. Rapidamente percebeu: foi num ambiente como esse que o Senhor Jesus nasceu.

Quando eu li este relato gastei algum tempo para digerir as imagens. Porém logo tive de discordar. É um quadro chocante para nós ocidentais, que cozinhamos com muito asseio, mas eu me lembro de minha infância em que, por diversas vezes, em um campo missionário novo, para o qual meu pai fora designado, que minha mãe precisou armar uma trempe – fora da casa – e eu a ajudei a acender o fogo. Só não usamos esterco, pois era fácil achar gravetos. O esterco era queimado à noite, em pequenas quantidades, para espantar, muriçocas ou carapanãs.

Porém, meu maior ponto de discórdia não foi a descrição do ambiente miserável. Ele descreveu um ambiente de habitação humana. Ambiente miserável sim, mas uma casa. Ao passo que não houve casa para o Senhor nascer. O texto sagrado diz que ele nasceu, foi enfaixado e deitado em uma manjedoura. A rigor, manjedoura pode ser apenas um coxo ou uma gamela, porém a leitura do texto de Lucas, nos leva a entender que o parto se deu em um local onde estava essa gamela. Portanto é de se supor que tenha acontecido em uma estrebaria: um ambiente de habitação animal. Lá o esterco não era usado com fins “nobres”, era simplesmente o dejeto dos animais. Esse foi o lugar que sobrou para que o Rei dos Reis, Senhor dos Senhores, Deus todo-poderoso, nascesse.

Não podia ser diferente. Ao encarnar-se ele tomou a natureza da criatura pecadora e pecaminosa, revoltada e rebelde contra ele. Criatura, cujos melhores atos, diante dele, são equivalente a trapos sujos de menstruação. Criatura, cuja situação não podia ser resolvida apenas com a frase “Está perdoada. Vai em paz.” Para que essa frase pudesse ser dita, era necessário um sacrifício muito maior. Infinitamente maior. Tão assustadoramente maior, que, apenas aquele que conhecia a extensão da ofensa, poderia dimensionar sua cura e prescrever seu remédio. E seu remédio começou no ato de assumir a natureza do homem rebelde, não contaminado pela rebeldia, mas sujeito a todas as desgraças que a rebeldia lhe impôs: Nascer desprezado por aqueles que ia salvar: Nascer no meio dos dejetos não apenas dos homens, mas também dos animais: Nascer em imundícia tal que já prefigurava a morte que lhe estava reservada.

Além da ilusão boba que os presépios modernos nos trazem, como colocar os magos na primeira noite, costumam também se parecer celeiros americano, desses que se vê em filmes, do que uma estrebaria oriental, com sua imundície característica e nos distrai da tragédia que aconteceu a nosso Senhor.

Sempre perguntei por que razão a providência divina determinou que ele nascesse assim. Creio que uma boa resposta é essa: Deus o humilhou. Na teologia diz-se que este foi o primeiro estágio de sua humilhação: nascer como servo. Entretanto isso ainda não explica a estrebaria.

A melhor explicação que eu encontro ainda é alegórica. É como se o Senhor estivesse dizendo: Mesmo que seu coração seja imundo como uma estrebaria, cheio dos dejetos mais nojentos, eu farei dele a minha casa.

Imagine como era a estrebaria quando ele nasceu lá e compare com o que era seu coração quando você se tornou sua morada. Havia diferença? Aliás, há diferença? Você mantem seu coração livre dos dejetos do pecado, ou continua obrigando o Senhor a conviver com eles?

Aleluia! Glória a Deus nas maiores alturas e paz na terra à quem ele quer bem!

sábado, 1 de dezembro de 2012

Um cego que guia outro

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Quando os discípulos do Senhor Jesus vieram alertar-lhe de que os fariseus haviam se escandalizado com suas palavras, ele disse: “Deixai-os; são cegos, guias de cegos. Ora, se um cego guiar outro cego, cairão ambos no barranco” (Mt 15.14).

Pieter Bruegel, o velho, (1526 – 1569), nascido em Brogel, na Bélgica, pintou, em 1568 o quadro acima, a fim de tornar visível esta parábola. Uma versão pode ser vista com detalhes em www.artbible.info/art/large/556.html

Em 1568 os principais reformadores protestantes já estavam mortos e haviam deixado muita coisa escrita sobre esta parábola. Calvino já havia desenvolvido seus princípios éticos sobre o escândalo dado e o escândalo tomado. E embora Bruegel habitasse a parte católica dos Países Baixos, sua formação nos leva a crer que ele conhecia pelo menos um pouco do pensamento protestante.

Seu quadro é revelador e nos mostra um pouco do que falei na semana passada. Os estudiosos classificam Bruegel como um renascentista. Alguém que estava deixando a confusa Idade Média e aderindo a organização da Idade Moderna.

Confusões próprias da Idade Média: Jesus disse esta parábola mais de uma vez. Uma contra os fariseus: Mateus (15.14). Outra faz parte de uma coleção de diversas parábolas: Lucas (6.39). De qualquer forma, isso deveria ser entendido em um ambiente judaico. Entretanto, Bruegel o pinta em seu meio social: Observe as roupas dos cegos: são roupas de sua época. Repare nas casas ao fundo e especialmente na Igreja que se destaca, e observe que a fila se afasta dela. O quadro diz: Os cegos guiam outros cegos para longe da Igreja em direção ao barranco.

Poderia se argumentar que ele está aplicando a mensagem bíblica a seus dias. De fato, parece que esta é sua intenção. Porém, este tipo de interpretação do texto, é a alegoria tão prezada pela hermenêutica da Idade Média.

Traços do pensamento moderno: Há uma espécie de respeito exegético no quadro: Apesar de Jesus ter usado a palavra “ambos”, transmitindo a ideia de dois cegos, Bruegel pinta seis, mas mantém a organização deles em duplas. Exegeticamente também, ele pinta o barranco ameaçador próximo de todos.

O quadro foi extremamente organizado. Certamente foi esboçado previamente. Os cegos estão pintados na mesma ordem que se lê. E seus rostos apresentam uma feição mais carregada, à medida que se aproximam da direita do quadro onde está o primeiro que já caiu. Na realidade vai do cego aparvalhado ao aterrorizado pelo tombo. Das apalpadelas à queda. Do menor ao maior perigo.

O estilo das roupas, para mim, indica a posição social e provavelmente a riqueza de cada cego, sendo que eles estão misturados. O de maior posição social (melhores trajes), terceiro da esquerda para a direita, está sento conduzido por um mendigo (andrajoso e sujo), que por sua vez é levado por um com cara de esperto, que está tropeçando no que carregava um instrumento musical e que parecia ser o líder da trupe.

Olhando em detalhes, da esquerda para direita, parece que o grau de cegueira aumenta, pois o cego mais a esquerda tem apenas os olhos fechados, enquanto o cego que tropeça no que caiu (do qual sequer vemos os olhos) está com as órbitas vazias, desprovidas de olhos.

A ausência de adornos na Igreja, apesar de a parte sul dos Países Baixos, a Bélgica de hoje, ter permanecido católica, para mim indica que ele se referia a uma igreja protestante.

Eu desconheço algum quadro ou gravura da Idade Média que tente ilustrar esta parábola. Porém, não creio que pudesse ir além do óbvio: dois cegos um guiando o outro, sem qualquer outra preocupação.

Já uma simples pesquisa de imagens na internet sob o título “blind leads another blind” retorna uma quantidade enorme de tirinhas, charges, pastiches, grafites, fotos de peças de teatro, montagens cênicas e “performances”, desde engraçadas até grosseiras e chulas. E embora algumas pretendam ser originais, todas carregam o ônus de refletir as palavras do Senhor, que a grande maioria despreza.

Porém, todas estas que aparecem na pesquisa, refletem muito mais um pensamento ainda moderno, que critica, mesmo acintosamente, pois o homem pós-moderno não tem a menor intenção de perder tempo com isso. “Pensar? Gastar tempo com crítica? Cada um faz o que quer”. O homem pós-moderno quer sentir. Tanto faz se ele é guiado por um cego ou por uma máquina, desde que alguém assuma a tarefa de decidir por ele, e ele tenha em quem por a culpa se algo der errado.

sábado, 24 de novembro de 2012

Ser moderno

Se olharmos nosso passado e entendermos como agíamos, aprenderemos viver melhor o presente. O mesmo acontecerá se entendermos melhor o que marcou as várias épocas da história da humanidade. Afinal nosso Senhor falou como é importante discernir a época em que se vive (Lc 12.56).

Hoje há nas diversas correntes de pensamento uma espécie de unanimidade que estamos em uma época posterior à que era chamada de Moderna. Entretanto, não há uma definição clara sobre o que seja Idade Moderna. Aliás, sequer há consenso sobre o nome. A nomenclatura antiga “Idade ou Era Moderna” já é chamada por alguns de “Tempos Modernos” ou simplesmente “Modernidade” para facilitar seu deslocamento no tempo.

Ainda no antigo curso ginasial aprendi que a Idade moderna começou com a queda de Constantinopla em 1453 e me lembro de meu professor dizendo que estávamos vivendo os tempos modernos. Meio assustado eu fazia os cálculos: “Tá demorando! Mais de 500 anos! Moderna deveria ser uma coisa de no máximo um ou dois anos”.

Em minha primeira pós graduação já se falava em pós-modernidade. E novamente pensei sozinho: “O que é isso?”

Hoje noto que, quanto mais influenciado for o historiador pela visão marxista – que vê a história sob a ótica trabalho/capital – mais recentemente ele datará a Idade Moderna. E, para meu espanto, já li autores cristãos (!) que a colocam entre a queda da Bastilha (1879) e a queda do muro de Berlim (1989).

Noto também, pelo muito que li, que uma das principais caraterísticas do Modernismo (a cosmovisão que prevaleceu durante a Idade Moderna) foi a organização. E, perceber isso, foi para mim uma espécie de chave que abriu a compreensão de muitos valores. É claro que há muitíssimas outras formas de classifica-la. Mas, por muitas circunstâncias, terei de me ater a essa.

A Idade Média era muito confusa. A Idade Moderna é (ou será que era?) organizada. Para os historiadores clássicos, que veem como marco a queda de Constantinopla, o Ocidente foi obrigado a procurar novos rumos. Por exemplo: novas rotas marítimas para manter comércio com a Índia e a China. Porém, para fazer isso, e outras coisas eles precisaram se organizar. E a organização, que já orientava o pensamento teológico – ter uma fonte, um método e buscar um fim – passou a ser usado nas outras áreas do conhecimento e nas artes em geral.

A hermenêutica medieval era caótica. De um texto tiravam muitas lições, além da literal (que muitas vezes era a de menor importância): lições alegóricas, lições morais e lições anagógicas (que provocam meditação, enlevo ou êxtase). O pensamento moderno favoreceu em muito a hermenêutica protestante que via apenas o sentido literal e sobre ele construía sua fé. Aliás, é no começo da Idade Moderna que surgem as Confissões Protestantes em que, muito mais do que o indivíduo que diz “creio”, elas dizem “confessamos” e detalham a fé com minudências características de uma nova ciência a “Teologia Sistemática”.

As artes se organizaram. A arquitetura medieval, com suas vielas curvas e assimétricas dá lugar a cidades planejadas, como Paris depois da reconstrução, em que até a altura dos prédios é estipulada (dizem que atinge seu ápice em Brasília, com setores separados para morar, trabalhar e governar).

A pintura passou a se exprimir de tal modo que às vezes parece uma fotografia atual. Tanto é que quando os impressionistas chegaram negando os traços e retratando apenas uma impressão de luz foram mal recebidos. Não tiveram melhor acolhida os cubistas nem os surrealistas. E o adjetivo “modernista” para os escultores sempre soou como ironia.

A música, que era algo meio solto, também organizou-se rigidamente em torno de temas e expressões, que, representavam o que se tinha como belo e ordeiro, chegando-se até mesmo a proibição de dissonâncias.

Ora, se isso era uma reação ao que se supunha ser o mundo desordenado da Idade Média, o Pós-modernismo é exatamente um questionamento disso: “Por que tem de ser assim?” E começa também pela teologia? “Por que: confessamos? Eu acredito diferentemente. Aliás, nem sei se acredito! E se acredito ou não, pouco importa. O que importa é o que eu sinto”. Entretanto, não é uma volta ao tempo das formulações credais, pois não se cogita no que se crê, e sim no que se sente.

A arquitetura pós-moderna passou a espelhar essa confusão ao juntar elementos de estilos diferentes em um só lugar. Apareceram construções com colunas gregas, característica da Idade Clássica, bem anterior à Idade Média, ao lado de arcos góticos, característicos da Idade Média, fechados por painéis de vidro temperado, caraterísticos da Arquitetura Moderna. Para a Arquitetura Pós-moderna pouco importa o que se usa, basta a satisfação de quem está pagando a obra.

Pintura? Quem liga mais pra isso? É melhor se fazer uma colagem sobre uma fotografia desfocada, ou revelada, ou melhor: impressa sobre PVC e obter uma superfície 3D. Assim fica mais perto do artificialismo da realidade.

Música? “Quando vem um barato, eu pego o violão e gravo o que sai. Depois escrevo as posições (sic)”. Então as gravadoras compram espaço na mídia que anuncia o “último sucesso de caipira e sertanejo” e passa a tocá-lo repetidamente e nenhum ouvido bem educado na arte de ouvir o que presta deixa de sofrer, mas as massas o cantam como se fosse uma obra prima, mesmo que seja uma coleção de bobagens.

Mas, o que tem isso a ver com a Igreja? Tudo.

Se na Idade Moderna se prezou pela clareza das formulação confessionais, na Pós-modernidade a última coisa que se quer saber é disso. Cada um que cuide de si. Aliás que não cuide. Como diz o irresponsável: “O acaso vai me proteger enquanto eu andar distraído...”.

As doutrinas claramente formuladas se expressam em liturgias claramente definidas, e consequentemente em um culto coerente. Mas se não há definição delas, por que deveria haver definição deste? Aliás, Se não há uma definição clara dos dois qual é a razão de existir da Igreja? O que é uma Igreja? No Pós-modernismo pode ser até mesmo um clube, e, replicando a arquitetura, ter tantos estilos quantos gostos, desde que agradem os muitos fregueses.

A consequência última é a forma de governo. Se porventura houver algum, necessariamente será uma espécie de “democracia totalmente direta” e não será de se espantar que aconteça o que já se vê: Igrejas que se reúnem para determinar que rito seguirão no próximo período: Católico Romano, protestante, misto, ou outro.

Na Idade Pós-moderna ecumenismo é coisa do passado. A figura melhor que me ocorre é: salada! Pastores protestantes que não veem nada de mal em dividir opiniões com padres ou pais de santo ou com quem quer que seja. Cultos meio espetáculos, meio talk shows, meio MMA, meio qualquer coisa.

Há um compromisso então da Igreja com o pensamento moderno? Não. Entretanto, é no modo de pensar moderno que o protestantismo encontrou um terreno mais sólido, e principalmente uma ferramenta chamada “pensamento lógico” (que não nasceu nessa era, mas foi disseminada nela) para pensar sua fé diante dos dilemas mundanos e procurar viver os ensinos bíblicos nos dias atuais.

sábado, 17 de novembro de 2012

Breve relato da resistência à Palavra de Deus

Na História da Redenção os Patriarcas foram os primeiros a transmitir a vontade de Deus aos homens. Como falavam de uma posição privilegiada – eram os chefes de suas famílias – ninguém os questionava, com algumas exceções: José. Que por pouco escapou da morte, mas não de ser vendido como escravo pelos próprios irmãos. Os Patriarcas agiam de modo pessoal e falavam sem rodeios, à família e à amigos, como Jó.

Deixando Moisés de lado, por ser um caso atípico, que merece ser tratado isoladamente, o segundo grupo que aparece nesta linha são os profetas. Quer sigamos a metodologia de Pedro, que fixa Samuel como o primeiro profeta (At 3.24), quer usemos o critério do próprio Samuel e incluamos também os videntes, que já existiam no tempo dos juízes (1Sm 9.9), não há como ver um ministério diferente. Todos eles falavam diretamente e sem rodeios.

Elias e Eliseu, além de não deixarem nada escrito, eram itinerantes. Foi Samuel que conciliou esta necessidade com um endereço fixo (1Sm 7.15-17) e o primeiro a registrar. Todos sofreram perseguições e arriscaram a vida.

Com o crescimento das cidades e especialmente a centralização do culto em Jerusalém, alguns passaram a ser tipicamente urbanos, como Isaías, que vivia na corte, e Jeremias, que morava em Jerusalém apesar de possuir uma propriedade no campo (Jr 37.12). Porém, enquanto alguns moravam em cidades e exerciam algum tipo de trabalho no templo, como Isaías e Habacuque, a maioria morava em vilas e falava diretamente contra o rei, contra as autoridades e contra o povo idólatra. De príncipes como Sofonias (Sf 1.1) a boiadeiros como Amós (Am 7.14-15). Todos foram enviados por Deus “desde a madrugada” (Jr 7.27) e todos foram desprezados. Alguns até mortos (Lc 13.34).

O equivalente aconteceu também no Reino do Norte.

Nem na Babilônia foi diferente. Não conseguiam cantar o “Canto do Senhor em terra estranha” (Sl 137.4), mas ouviram os profetas lá também. Embora Daniel não tenha se dirigido diretamente ao povo, descobriu a que se referia as profecias de Jeremias (Dn 9.2) e profetizou as datas do Messias (Dn 9.24-27). Neemias foi quem falou – e até agrediu – diretamente ao povo (Ne 13.25). Deus animou Ezequiel a falar-lhes na cara dando-lhe rosto de pedra (Ez 3.4-11). E pela primeira vez, na volta do cativeiro – tirando Moisés, como já disse, e as reformas de Ezequias e Josias – o Texto Sagrado fala de multidões em busca da Palavra de Deus.

João Batista viveu em uma época mais urbanizada, entretanto imitou em tantos aspectos a vida de Elias que preferiu os desertos. E novamente o Texto Sagrado fala de multidões. Procurava-o e era conclamada ao arrependimento. Fez incursões nas cidades onde igualmente denunciava o pecado e isso lhe custou a vida.

Jesus iniciou seu ministério no ponto onde João parou: “Ouvindo, porém, Jesus que João fora preso, retirou-se para a Galileia; e, deixando Nazaré, foi morar em Cafarnaum, [...] Daí por diante, passou Jesus a pregar e a dizer: Arrependei-vos, porque está próximo o reino dos céus” (Mt 4.12-17), ou seja: a mesma mensagem de João.

Jesus falou diretamente e em particular. E embora tenha acolhido os pecadores arrependidos, jamais deixou de repreender o pecado nem os pecadores impenitentes. Novamente o Texto Sagrado fala de multidões. Mas quando Jesus percebe que elas têm segundas intenções ele foge delas ou as repreende (Jo 6.26-27). Não preciso dizer que fim ele teve.

A narrativa dos Atos dos Apóstolos nos traz a impressão de que a Igreja era mais “multidão”, embora o relato esteja salpicado de descrições de casas. Os apóstolos confrontavam constantemente o erro e os errados, inclusive com punições físicas, como cegueira (Simão), morte (Ananias e Safira), etc. E não há uma só carta do Novo Testamento que não tenha sido escrita para combater um ou mais erros.

Dois séculos após, já dona do patrimônio pagão, a Igreja se viu com templos enormes; e o que já vinha sendo praticado com certa parcimônia – a imitação das reuniões da sinagoga – passou fazer às claras: a espontaneidade das reuniões nos lares precisou de um ordenamento maior: as liturgias. Quanto maior era o destaque que se dava as mesmas, mais a missão legada desde os profetas – reprovar o erro – era abafada. Exatamente como acontece hoje: “Vamos louvar”. Naqueles dias com cânticos polifônicos, depois gregorianos e finalmente grandes missas de enredos intrincados.

A Reforma Protestante se levantou contra esse tipo de coisas proclamando que a Palavra de Deus deve ter primazia, e, mesmo que não houvesse mais profetas, ainda havia um ministério profético, afinal a Igreja está assentada sobre eles e sobre os apóstolos (Ef 2.20) e a palavra deles devia continuar viva, e, de tal modo exposta e explicada, com o Texto Sagrado nas mãos, que se pudesse dizer como eles diziam “assim diz o Senhor”.

Para que os antigos pudessem ser ouvidos nos grandes edifícios os construtores se valeram de toda sabedoria arquitetônica em favor da acústica. Dosséis passaram a encimar os púlpito e estes, por sua vez, foram colocados o mais alto possível. A Reforma Protestante enfatizou mais ainda e suprimiu do edifício tudo o distraía a atenção de cultuava. Os sermões, antes, quase poéticos – quando existiam – passaram a ser quase preleções ou aulas. Para o protestante, entender a Bíblia era questão de salvar sua alma. Atender ao culto divino era negar-se a si mesmo e ouvir, muitas vezes de pé, a sermões com uma ou duas horas de duração. Não há a menor dúvida que além dos papistas os perseguirem, inclusive com fogueiras, foram mal entendidos e vistos como fanáticos. Mas nos legaram uma herança de temor a Deus.

Spurgeon, que viveu na segunda metade dos anos 1800, reclamava da teatralização das Igrejas inglesas. No texto clássico “Apascentando ovelhas ou entretendo bodes” ele pergunta qual é a verdadeira missão do servo de Deus: Proclamar a vontade do Altíssimo ou promover momentos agradáveis a seu rebanho e aos eventuais visitantes? Foi desprezado até por seus colegas pastores batistas das Igrejas de Londres.

Um pecador que hoje se aproxima de um púlpito deve ser inquietado por sua vida pecaminosa. Um filho de Deus aflito deve ser consolado pela graça de nosso Senhor. Mas nunca nos enganemos, tais necessidades só podem ser supridas pelas Escrituras. Mas como sempre houve, sempre haverá resistência: “prega a palavra, insiste a tempo e fora de tempo, aconselha, repreende e exorta com toda paciência e ensino. Porque chegará o tempo em que não suportarão a sã doutrina; mas, desejando muito ouvir coisas agradáveis, ajuntarão para si mestres segundo seus próprios desejos; e não só desviarão os ouvidos da verdade, mas se voltarão para as fábulas” (2Tm 4.2-4 Almeida XXI).

sábado, 10 de novembro de 2012

Olhos

Quem é acostumado a ler a Bíblia já observou que partes do corpo humano são frequentemente usadas metaforicamente. Por exemplo: as mãos. Muitas vezes com o sentido de abençoar, especialmente depois do verbo impor. Porém, se o verbo que as precede for levantar, o sentido quase sempre será oposto.

Os pés podem ser usados como expressão de vitória: “...calcarás aos pés o filho do leão e a serpente” (Sl 91.13); de humilhação: Lançou-se-lhe aos pés e disse: Ah! Senhor meu, caia a culpa sobre mim...” (1Sm 25.24).

Entretanto, há um órgão que se destaca: os olhos. Fisicamente eram tão importantes que se punia quem cegasse, mesmo que fosse a seu escravo: “Se alguém ferir o olho do seu escravo ou escrava, e o cegar, lhe dará a liberdade por causa do olho” (Ex 21.26 A-XXI).

Metaforicamente os olhos podem significar muitas coisas, a começar por entendimento “...ó povo insensato e sem entendimento, que tendes olhos e não vedes...” (Jr 5.21). Revelam até o caráter da pessoa: “São os olhos a lâmpada do corpo. Se os teus olhos forem bons, todo o teu corpo será luminoso; se, porém, os teus olhos forem maus, todo o teu corpo estará em trevas. Portanto, caso a luz que em ti há sejam trevas, que grandes trevas serão!” (Mt 6.22-23).

Neste último texto o Senhor Jesus condensou todo o ensino dos antigos, para o quais os olhos poderiam revelar bondade: “Quem vê com olhos bondosos será abençoado, porque dá do seu pão ao pobre” (Pv.22.9 A - XXI). Ou inveja: “Não comas o pão daquele que tem os olhos malignos, nem cobices os seus manjares gostosos” (Pv 23.6 ARC). Isaías fala da altivez presente no olhar (2.11); e Ezequiel (16.5) fala de olhos não apiedados. Salomão promete literalmente castigo aos “olhos que zombam do pai ou desprezam a obediência da mãe...” (Pv 30.17 – ARC).

Com exceção de Jeremias 32.4 e 34.3, cuja interpretação precisa ser literal, e Gálatas 4.15, onde Paulo está falando da generosidade dos irmãos daquela igreja, a expressão “os próprios olhos” sempre significa, na Almeida XXI, conceito sobre si mesmo. A Almeida Atualizada amplia o significado. Porém, nenhuma das duas se preocupou com a literalidade de Juízes 21.25: “Naqueles dias, não havia rei em Israel e cada um fazia o que parecia reto aos seus próprios olhos”.

Abrir ou fechar os olhos pode significar muito. Em Gênesis 3.5-7, abrir os olhos significou perceber que estavam nus da graça de Deus que servia de roupas a nossos primeiros pais. Já em Isaías 6.10, reforçado por Mateus 13.15, fechar os olhos é parte do processo de não conversão, que, naquele caso, é castigo infligido por Deus.

Os olhos postos nas mãos dos senhores, mais do que atenção às necessidades deles em serviço desvelado, são metáforas das bênçãos que se espera confiadamente na providencia de Deus (Salmo 133).

Quando em Isaías promete que veremos a Deus em sua formosura (33.17), ou, em Ezequiel, o SENHOR promete que se dará a conhecer aos olhos de muitas nações (38.23), ou em outros textos semelhantes fica evidente a promessa da encarnação do Verbo.

Mesmo andando com Deus seu povo não via sua face: “Pois como se há de saber que achamos graça aos teus olhos, eu e o teu povo? Não é, porventura, em andares conosco, de maneira que somos separados, eu e o teu povo, de todos os povos da terra? [...] Então, ele disse: Rogo-te que me mostres a tua glória. Respondeu-lhe: Farei passar toda a minha bondade diante de ti e te proclamarei o nome do SENHOR; terei misericórdia de quem eu tiver misericórdia e me compadecerei de quem eu me compadecer. E acrescentou: Não me poderás ver a face, porquanto homem nenhum verá a minha face e viverá” (Ex 33.16-20), pois o finito não compreende o infinito. Daí a necessidade dele assumir nossa natureza: “E o Verbo se fez carne e habitou entre nós, cheio de graça e de verdade, e vimos a sua glória, glória como do unigênito do Pai” (Jo 1.14). Isso também explica todas as aparições do Anjo do Senhor, ou do próprio SENHOR, como manifestações antecipadas do próprio Cristo, seja na sarça que ardia e não se consumia, seja no alto e sublime trono visto por Isaías, ou às margens do rio Quebar conforme Ezequiel.

Ao falar dos olhos de Deus é dito que “estão em todo lugar” (Pv 15.3), como também que, “passam por toda terra, para mostrar-se forte para com aqueles cujo coração é totalmente dele” (2Cr 16.9). Entretanto, Noé literalmente encontrou “graça aos olhos do SENHOR” (Gn 6.8) e o homem, de modo geral, pode fazer o que é certo “aos olhos dos SENHOR” (1Re 15.11) ou pode fazer o que é errado (1Re 16.25). Ezequias e Daniel pediram a Deus que abrisse seus olhos e visse o que estava acontecendo com seu povo (2Re 19.16 e Dn 9.18).

Deus declara que os pecados do povo fazem com que ele “esconda os olhos” (Is 1.15). Porém quando Deus olha para o homem o livra e o mantem (Sl 33.18). E tocar no seu povo é o mesmo que tocar “na menina de seu olho” (Zc 2.8).

Mas, o maior consolo para o filho de Deus é saber que os olhos do SENHOR o acompanham desde o ventre materno. Ele o vê e constantemente pensa preciosamente sobre ele: “Os teus olhos me viram a substância ainda informe, e no teu livro foram escritos todos os meus dias, cada um deles escrito e determinado, quando nem um deles havia ainda. Que preciosos para mim, ó Deus, são os teus pensamentos! E como é grande a soma deles!” (Sl 139.16-17).

quinta-feira, 1 de novembro de 2012

Precisamos de outra Reforma hoje?

Desde que fui ordenado pastor tenho feito esta pergunta a mim mesmo e a outros pastores. Confesso que minhas respostas sempre refletiram as dificuldades do momento. Já as respostas dos pastores mais experientes variaram e a dos pastores mais novos eram quase sempre iguais: começar tudo de novo como os Reformadores no Século 16 fizeram.

No fundo, desejo alguma espécie de aperfeiçoamento ou correção de rumo, que é difícil de expressar. Talvez, se eu falar dos problemas, possa, pelo menos, dizer o que mais me aflige.

Primeiro: A seriedade com os compromissos assumidos: Ainda no Seminário o livro Reformemos a Igreja, escrito pelo Dr. Klass Runia, chamou muito minha atenção sobre a frouxidão da disciplina eclesiástica e ultimamente o livro Subscrição Confessional do Rev. Dr. Ulisses Horta Simões, enfatizando a necessidade de manter os votos confessionais, mostra a desordem que atinge desde ovelhas a pastores (e até concílios) complacentes com o erro. Não há dúvida que isso precisa ser corrigido. Ou se preferirem usar o termo: reformado.

Segundo: Uma limpeza em nossos valores, especialmente no modo de vermos o culto a Deus: É preciso também uma correção (ou reforma) que vá além de usos e costumes. Ela deve atingir os valores Católicos Romanos impregnados em nossa cultura, tão evidentes em algumas cerimônias. Já avisei a minha família que não quero velório, nem culto de corpo presente. Quem quiser se despedir de mim faça enquanto eu estiver vivo (quem sabe, eu o convencerei a ansiar pelo dia em que me encontrará à mesa com o Senhor). E se outro tiver ideia de me fazer alguma homenagem – pois em nossa cultura basta morrer para virar santo – se lembre das palavras de nosso Senhor: “Assim também vós, depois de haverdes feito quanto vos foi ordenado, dizei: Somos servos inúteis, porque fizemos apenas o que devíamos fazer” (Lc 17.10).

Terceiro: É preciso também, ao contrário, lembrar que muitas práticas genuinamente cristãs, não são exclusividade da Igreja de Roma e não podem ser deixadas de lado, por que “parecem católicas”. Por exemplo: Credo Apostólico, o Pai Nosso, etc.

Quarto: Precisamos ser cuidadosos com os extremos: Alguns em nome de cumprir o Princípio Regulador do Culto não oram o Pai Nosso quando o Senhor Jesus disse “Vós orareis assim”. Outros, insistem em cantar apenas os cento e cinquenta Salmos deixando de obedecer a ordem “Habite, ricamente, em vós a palavra de Cristo; instruí-vos e aconselhai-vos mutuamente em toda a sabedoria, louvando a Deus, com salmos, e hinos, e cânticos espirituais, com gratidão, em vosso coração” (Cl 3.16) e preterem ricos ensinos que podem vir do restante da Escritura.

Quinto: Deixar bem claro quem somos nós: Os excessos que vemos hoje começaram quando se deixou, na prática, a doutrina Sola Scriptura (A Bíblia é a única regra de Fé e Prática). Ao aceitar-se revelações contemporâneas, abriu-se a porta para todos os tipos de invenções e chegamos ao absurdo dos sprays contra maridos infiéis ou travesseiros ungidos para provocar sonhos proféticos. Obviamente tudo vendido e bem cobrado.

Ainda dentro desse ponto é bom lembrar que hoje se reproduz com exatidão um aspecto contra o qual a Reforma do Século XVI lutou. Uma das razões para a venda das indulgências era a construção da Capela Sistina (que celebra esses dias seus 500 anos) adornada por artistas como Rafael, Bernini, Botticelli e especialmente por Michelangelo, pintor de seu teto em ousada blasfêmia de representar Deus, mas que, nem por isso, deixa de encantar muito protestantes que se declaram contra a venda de indulgências e contra a quebra do Segundo Mandamento.

Há muitas outras coisas de menor importância, que no entanto merecem vigilância, pois podem crescer e nos afetar. Acima de tudo o que deve nos servir de norte é a Palavra de Deus. Somente ela, mas em sua totalidade.

sábado, 27 de outubro de 2012

Maior rigor

Nosso Senhor Jesus, decepcionado com a reação de Corazim e de Betsaida, garantiu que, no dia do juízo, elas serão julgadas com maior rigor do que Tiro e Sidom. Os judeus de então devem ter entendido melhor do que nós hoje a gravidade desta ameaça, pois não estamos tão familiarizados com as malfeitorias delas.

O mesmo foi dito de Cafarnaum e Sodoma. Porém, a história de Sodoma nós conhecemos. Tornou-se proverbial.

Mas, voltando a Tiro e Sidom, para conhecer-lhes as maldades, é necessário estudar razoavelmente bem o período que vai do profeta Malaquias até os dias de Jesus. Quanto a Corazim, Betsaida e Cafarmaum, o próprio Jesus nos dá o traço comum pelo qual elas sofreriam maior rigor: a incredulidade: “Ai de ti, Corazim! Ai de ti, Betsaida! Porque, se em Tiro e em Sidom se tivessem operado os milagres que em vós se fizeram, há muito que elas se teriam arrependido com pano de saco e cinza” (Mt 11.21). E “Tu, Cafarnaum, elevar-te-ás, porventura, até ao céu? Descerás até ao inferno; porque, se em Sodoma se tivessem operado os milagres que em ti se fizeram, teria ela permanecido até ao dia de hoje” (Mt 11.23).

Estes textos levantam questões difíceis, como: por que não se fez em Sodoma, em Tiro e em Sidom os mesmos milagres que foram feitos em Corazim, Betsaida e Cafarnaum, se era sabido que elas haveriam de se arrepender? Por que foram preteridas? Mas este é um assunto para outra ocasião, pois o que me atrai mais nesta afirmação do Senhor é a razão pela qual ele haverá de aplicar maior rigor em seu julgamento.

Creio que é necessário destacar dois pontos:

Primeiro: A posição de Cafarnaum parece ser pior, já que o Senhor Jesus além de fazer nela muitos milagres manteve lá uma casa (provavelmente alugada, ou emprestada) onde podia ser achado. Veja Mc 2.1: “Dias depois, entrou Jesus de novo em Cafarnaum, e logo correu que ele estava em casa”.

Segundo: Os milagres tinham a única função de confirmar a mensagem anunciada. Observe que o mesmo critério de maior rigor é prometido às casas e às cidades que rejeitassem a mensagem do Evangelho transmitida pelos discípulos de Jesus: “Se alguém não vos receber, nem ouvir as vossas palavras, ao sairdes daquela casa ou daquela cidade, sacudi o pó dos vossos pés. Em verdade vos digo que menos rigor haverá para Sodoma e Gomorra, no Dia do Juízo, do que para aquela cidade” (Mt 10.14-15).

Um dia desses, depois de uma das palestras do Encontro da Fé Reformada em Vitória (ES), em uma agradável conversava com meu hospedeiro, que passou da meia noite, discutíamos exatamente esse ponto. Nosso Senhor está se referindo especificamente a rejeição de sua Revelação e no caso agravada pelos sinais que a comprovavam.

Quão digna de maior rigor é nossa geração – pensamos – já que a Revelação divina está sendo acintosamente rejeitada diante de comprovações mais pungentes do que milagres?

Dou apenas um exemplo: Até 1950 o texto hebraico mais velho que tínhamos era composto de manuscritos feitos na idade média (entre 900 e 1000 d.C.). Em 1946 um adolescente, que procurava suas cabras extraviadas, achou uma caverna com dez vasos de barro que continham rolos dos livros do Antigo Testamento. Foi a primeira das diversas cavernas em que partes maiores ou menores de todos os livros do AT, com exceção de Ester, foram encontrados. Hoje você pode vê-los até na internet e atestar a fidelidade do conteúdo do texto que sempre usamos.

Hoje a Bíblia está por todos os lugares. Conversando com meu amigo listamos rapidamente as versões à nossa disposição em tablets, smartphones, celulares e edições gráficas diferentes. Legíveis, audíveis (algumas nas línguas originais) e até encenadas. Ninguém pode alegar que não tem condições de adquirir uma Bíblia já que ela é distribuída gratuitamente em hospitais, escolas, hotéis, cadeias... (Dia desses um membro de minha igreja me procurou para me alertar de que se alguém dissesse que o viu saindo de um motel com outro homem, eu não me assustasse pois eles tinham começado a distribuição nos quartos de motéis também).

Sodoma, Gomorra, Tiro e Sidom receberam a Revelação que todos recebem: a Revelação Geral, que é própria da criação, e por essa razão são indesculpáveis perante Deus.

Sodoma teve contato com Ló e o rei de Tiro fez aliança e comerciou com Salomão, mas não consta dos registros bíblicos que tenham recebido ensinamentos como nossa geração recebe e continua recebendo. Por isso nossa geração, à exemplo das cidades que nosso Senhor imprecou, sem dúvida, receberá maior juízo.

Mas e o texto que se refere a casas? Quantas Bíblias há na sua? Elas orientam a vida de sua família ou apenas estão lá? Elas orientam suas decisões ou enfeitam sua estante? Com que rigor você acha que será julgado diante do Senhor?

quinta-feira, 11 de outubro de 2012

Um pecado leve?

Nascido em um lar protestante sempre ouvi que pecado é pecado e não existe pecadinho e pecadão. Todos são iguais diante de Deus. Esse ensino é parcialmente explicado pelo contexto em que os protestantes se afirmaram no Brasil, sofrendo forte oposição da Igreja de Roma que ensinava, e ainda ensina, que há pecados mortais e pecados veniais (dignos de vênia, como dizem nossos juristas. Dignos de desculpas).

O ensino é parcialmente explicado também pela leitura fora da “analogia da fé” do seguinte texto de João: “Se alguém vir a seu irmão cometer pecado não para morte, pedirá, e Deus lhe dará vida, aos que não pecam para morte. Há pecado para morte, e por esse não digo que rogue” (1Jo 5.16). Porém o texto não está falando da qualidade intrínseca do pecado, mas da posição em que o pecado está na vida da pessoa, pois todos os pecados demandaram a morte de nosso Senhor Jesus Cristo. Neste aspecto todos são iguais.

Porém, falando em pecado, há que ressaltar:

Primeiro: Nosso catecismo diz que alguns pecados são mais odiosos diante de Deus do que outros, em razão de 1) quem os comete, 2) de quem é ofendido, 3) da qualidade da ofensa e 4) das circunstâncias em que a ofensa foi cometida. Quem se interessar mais por essas qualificações pode encontrar uma exposição farta nas perguntas 150 e 151 do Catecismo Maior de Westminster. Entretanto estão em minha pauta como assuntos futuros.

Segundo: Quando olhamos especificamente o Antigo Testamento encontramos diversas palavras traduzidas por pecado, mas, por peculiaridades comuns à língua hebraica, há nuança de sentido entre elas e uma delas é shagá que aparece, em formas derivadas, no Levítico quando se trata dos Pecados por Ignorância (veja Lv 4.2, 22 e 27).

O profeta Ezequiel usa essa mesma palavra para descrever o estado das ovelhas sem pastor, que simplesmente vão se afastando à medida que pastam: “As minhas ovelhas andam (Literalmente: ERRAM) desgarradas por todos os montes e por todo elevado outeiro; as minhas ovelhas andam espalhadas por toda a terra, sem haver quem as procure ou quem as busque” (Ez 34.6). Observe que o verbo andar aparece duas vezes, mas a segunda vez, em hebraico, está escrito literalmente “foram dispersadas”.

O profeta Isaías apresenta uma das razões para este tipo de pecado: a embriaguez: “Mas também estes cambaleiam (Literalmente: ERRAM) por causa do vinho e não podem ter-se em pé por causa da bebida forte; o sacerdote e o profeta cambaleiam (Literalmente: ERRAM) por causa da bebida forte, são vencidos pelo vinho, não podem ter-se em pé por causa da bebida forte; erram (Literalmente: ERRAM) na visão, tropeçam no juízo” (Is 28.7).

Salomão alerta: Deixar de ouvir a instrução leva a esse tipo de erro: “Filho meu, se deixas de ouvir a instrução, desviar-te-ás (Lit. ERRARÁS) das palavras do conhecimento” (Pv 19.27).

E em um assunto, que, pela prática ele conhecia muito bem, pergunta: “Por que, filho meu, andarias (Lit. ERRARIAS) cego pela estranha e abraçarias o peito de outra?” (Pv 5.20) e contrasta com o comportamento natural que é esperado do marido para com a esposa amada “Seja bendito o teu manancial, e alegra-te com a mulher da tua mocidade, corça de amores e gazela graciosa. Saciem-te os seus seios em todo o tempo; e embriaga-te (Lit. ERRA) sempre com as suas carícias” (Pv 5.18-19).

Veja bem: É uma só palavra, porém sua tradução, que tem como núcleo errar, demanda uma série de aplicações diferentes. Alguém mais afoito pode dizer então: é um pecado tolerável, já que uma possibilidade de tradução é “erro cometido sem intenção”. Entretanto, volte ao capítulo 4 do Levítico e observe que mesmo este erro demandava o sacrifício de uma vítima. Ou seja: por este tipo de erro nosso Senhor morreu. O salário deste tipo de pecado também foi a morte. Neste sentido ele é igual aos demais.

sábado, 6 de outubro de 2012

Muito Obrigado

No distante Século XII, os nobres de Portugal recebiam o tratamento de “vossa mercê” (mercê significando graça ou concessão). Com o passar dos anos mudou-se para “vossemecê”. Anos mais tarde, “vosmecê”; até que em 1813 já se encontra registrada a forma “vosse”; e Camilo Castelo Branco (1825 - 1890) registra “você”. Durante meu período de vida já vi “ôcê” e “cê”. Sem contar com as variantes da internet “vc” e “c”.

Há não muito tempo também era costume agradecer algo, ou um favor recebido com uma expressão do tipo: “... por isso sou grato e lhe fico muito obrigado”. Hoje dizemos apenas “obrigado” (ou apenas “brigado”). Observe que a expressão de agradecimento estava na primeira parte da frase e a segunda parte era um reforço em que se garantia mais do que gratidão. Garantia um empenho, uma retribuição, uma obrigação tida para com quem fez algo que foi muito apreciado.

Neste contexto, pergunta o salmista: “Que darei ao SENHOR por todos os seus benefícios para comigo? Tomarei o cálice da salvação e invocarei o nome do SENHOR” (Sl 116.12-13).

Mas, voltando a nossa língua. Embora eu creia que cada idioma possua suas peculiaridades, o Português se destaca. Eu não possuo um censo de todos os idiomas modernos, mas desconfio que o português seja o de léxico mais amplo. A Academia Brasileira de Letras classificou em seu vocabulário ortográfico quase 390 mil palavras, o que é mais do que o Inglês (o Merrian-Webster´s Collegiate Dictionary possui 165 mil entradas); do que o Francês (o Dicionnaire de l’Academie Fraçaise a la Letre possui cerca menos de 50 mil), e descontando as palavras compostas que se pode formar na língua alemã um dicionário básico terá uma quantidade semelhante de entradas.

Não creio que essas línguas sejam lexicalmente mais pobres que o Português e apesar dessa abundância de palavras que os brasileiros tem a sua disposição nossos universitários, bem formados, dominam apenas 5 mil dessas palavras, em média. E, digo com tristeza, que um dos problemas que mais afligem a nós pastores é fazer com que as traduções bíblicas sejam corretamente entendidas. Observe, apenas como exemplo, Colossenses 1.12:

Na versão mais usada (Almeida Atualizada) lemos: “dando graças ao Pai, que vos fez idôneos à parte que vos cabe da herança dos santos na luz”. Mas, o que significa exatamente “idôneos à parte que nos cabe da herança”?

A versão Corrigida, a Corrigida Fiel, a Versão Contemporânea, bem como a Almeida Portuguesa, parecem facilitar a leitura com: “idôneos para participar da herança”. Porém complicam mais, pois tiram a idoneidade de um determinado ato e a transformam em qualidade genérica.

A Nova Versão Internacional simplifica ao extremo dizendo apenas “nos tornou dignos de participar”. E a Século XXI opta por “capacitou a participar”.

Esse é um caso em que o idioma grego, por sua natureza, exige muito mais do que o nosso é capaz de fornecer com uma simples palavra, pois a ideia vai desde o capacitar a algo, ser suficiente para alguma realização, ser adequado, ou caber, até equipar, dar poderes, investir de poderes, para que participemos da herança que está reservada a todos os santos.

Obviamente é mais do que um problema de tradução, mas atinge o infortúnio que se abate sobre nós, a respeito do qual estou tentando falar.

Se lembra de como “vossa mercê” virou “cê” e de como surgiu o simples obrigado? Este fenômeno pode ser explicado pela lei do menor esforço. Mas, paralelamente, cada vez mais, se usa uma mesma palavra, com os mais diversos significados, além de seu significado normal. Hoje qualquer dicionário trará como significado de “legal” uma coisa boa, mas antes dos anos 60 “legal” era apenas alguma coisa que estava de acordo com a lei. Em nosso caso, “obrigado”, que significava originalmente uma declaração de obrigação, hoje é uma expressão de agradecimento.

Dessa forma não é de se estranhar, que nós que professamos receber de Deus tudo pela graça, nos dirijamos a ele e digamos “Muito obrigado Senhor”!

Eu ainda acho tremendamente estranho, e teologicamente é errado, mas linguisticamente é explicável. E no fundo é um grande contrassenso que alguém que declara viver pela graça, dirija-se a Deus e lhe diga obrigado. Como obrigado? Tudo foi pago na cruz. Em que estamos obrigados? Em nada! O que temos a fazer? Apenas em receber a sua graça. Tomar o cálice de sua salvação como nos disse o salmista.

sábado, 29 de setembro de 2012

Das mãos de Deus

Uma das missões mais difíceis – talvez a mais difícil – que faz parte do ofício de um pastor de almas é mostrar a seu rebanho que o mal que nos atinge sempre vem das mãos de Deus. Ficará mais difícil quando, o pastor estiver lidando com a ovelha, em vez de rebanho. E muito mais difícil ainda, quando a ovelha estiver sofrendo prolongadamente e for alguém de vida correta, que pode ser tida como exemplo.

O que se ensina hoje é que o Diabo é o culpado por tudo o que é ruim, e, no mínimo, tal pessoa está sendo tentada para desviar-se de bons caminhos. E se for alguém de má índole, deve ter feito algum pacto com ele.

É claro que se nossos primeiros pais houvessem obedecido a ordem de Deus, o mal não haveria atingido a humanidade, mas isso é outro assunto. O que quero dizer agora é que o mal que recebemos diariamente – nosso Mestre nos ensinou, que “basta ao dia o seu próprio mal” – tem outras fontes e todas elas, em última instância, nos vem das mãos de Deus.

Primeiro: Podemos estar colhendo o que semeamos. Se levamos uma vida de hábitos saudáveis, muito provavelmente nossa velhice também será saudável e o contrário será verdadeiro. Quem poderá reclamar de uma doença sexualmente transmissível se levou um vida promíscua? Agora, repare que nestes casos, e em outros similares, é possível que os descendentes também sofram sem terem a mínima culpa por pecados cometidos pelos pais. Já está provado que muitas doenças adquiridas pelos pais são transmitidas aos filhos.

Segundo: Podemos estar sendo provados por Deus. E aqui preciso parar um pouco e esclarecer que este é um exercício divino que 1) mostra o quanto, e como, Deus acompanha nossa vida, e, 2) acima de tudo atesta o quanto estamos debaixo das instruções de nosso Mestre, que, de tempos em tempos, testa o progresso de nossa fé como o treinador de um atleta o submete periodicamente a testes para verificar o progresso de seu desempenho.

Terceiro: Podemos, de fato, estar debaixo da ira de Deus, sendo “disciplinados por ele para não sermos condenados com o mundo” (1Co 11.32).

Nos três casos porém, o sofrimento com que eventualmente somos afligidos, em última análise vem das mãos de Deus. Mesmo no primeiro caso, em que podemos argumentar em termos de causa e efeito, nunca podemos esquecer que isto ocorre por ter sido estabelecido por Deus. Ele fez assim: o efeito depende daquilo que o causa e a manutenção dessa lei não é automática.

Alguns até admitem que Deus criou tudo, mas “deu corda”, como se dava nos relógios antigos, e deixou tudo funcionando por si só. Bem, não é isso que o Senhor Jesus ensina quando nos diz: “Não se vendem dois pardais por um asse? E nenhum deles cairá em terra sem o consentimento de vosso Pai. E, quanto a vós outros, até os cabelos todos da cabeça estão contados. Não temais, pois! Bem mais valeis vós do que muitos pardais” (Mt 10.29-31).

Colhemos o que plantamos por que Deus quer que seja assim: “Não vos enganeis: de Deus não se zomba; pois aquilo que o homem semear, isso também ceifará” (Gl 6.7).

Mas, como pode vir, de um Deus de amor, sofrimento para seus filhos? Da mesma forma que nos vinha de nossos pais. Quando eles nos disciplinavam estavam mostrando o quando nos amavam e queriam o nosso bem: “Mas, se estais sem correção, de que todos se têm tornado participantes, logo, sois bastardos e não filhos. Além disso, tínhamos os nossos pais segundo a carne, que nos corrigiam, e os respeitávamos; não havemos de estar em muito maior submissão ao Pai espiritual e, então, viveremos? Pois eles nos corrigiam por pouco tempo, segundo melhor lhes parecia; Deus, porém, nos disciplina para aproveitamento, a fim de sermos participantes da sua santidade” (Hb 12.8-10).

Você pode argumentar: Mas, de nossos pais levávamos no máximo umas palmadas ou uma surra. Se a analogia for levada ao pé da letra Deus nos castiga excessivamente, pois alguns de nós passa a vida curtindo sofrimentos.

Veja: Nossos pais nos preparavam, no máximo, ser bons cidadãos, bons maridos, bons pais, ou bons crentes. Deus está nos preparando para sermos santos. Como está no texto: “participantes da sua santidade”. Entretanto, muitas vezes resistimos as lições que poderíamos tirar daquilo que ele quer nos ensinar com o sofrimento e aquela lição se torna demorada: “Filho meu, não menosprezes a correção que vem do Senhor, nem desmaies quando por ele és reprovado; porque o Senhor corrige a quem ama e açoita a todo filho a quem recebe” (Hb 12.5-6).

sábado, 22 de setembro de 2012

Um silêncio eloquente

Acho que foi em 1972 que assisti ao filme 2001 – Uma Odisseia no Espaço, eu era adolescente e não tinha 16 anos. Ainda me lembro da hora e dos sentimentos que literalmente me assaltaram. E durante muito tempo ruminei todas aquelas ideias tão maravilhosamente apresentadas, embora cada uma delas me comunicasse mais dúvidas do que respostas.

Meu pastor de então não sanou sequer a primeira dúvida – a mais simples – e ainda me deu uma bronca por perder tempo e dinheiro com essas coisas “imperialistas americanas”.

Hoje, com todas as dúvidas sanadas e com muitos reparos às bobagens que o diretor colocou lá, ainda gosto de vê-lo. Seu diretor, tirando a enormes bobagens, como macacos evoluindo e a ideia de deus-impessoal, conseguiu representar graficamente algumas coisas que as Sagradas Escrituras já haviam revelado há muito tempo. Nenhumas delas é essencial à salvação do homem, mas todas revelam a majestade da criação do verdadeiro Deus de forma grandiosa. Gostaria de falar de uma delas para que na próxima oportunidade que você verifique na próxima vez que o assistir: O silêncio eloquente.

A maior parte da história que o filme narra acontece em uma nave que está de viagem ao planeta Júpiter e na grande maioria das vezes em que a nave é filmada de um ponto externo, ou o espaço é mostrado a partir dela, o diretor faz questão de um silêncio total interrompido pela suave valsa Danúbio Azul, contrastando com as cenas que mostram as atividades dos astronautas dentro da nave nas quais se sente, mediante um efeito sonoro de notas graves, a vibração dos potentes motores.

Não deixa de ser impressionante essa comunicação não-verbal que o silêncio traz ao espectador. E ela me atingiu adolescente de uma forma que, até hoje, quando leio o Salmo 19, a associo imediatamente.

Davi declara neste Salmo que sem qualquer discurso, palavra, nem mesmo um simples som, dia após dia, noite após noite, os céus gritam, declaram, proclamam a glória de Deus e o firmamento enumera, lista, faz um inventário, daquilo que ele fez. Entretanto, se não há discurso, palavras ou um mísero som, por toda terra esse testemunho é tão evidente quanto a luz do sol que a todos atinge e da qual ninguém pode se esconder. Assim como ninguém pode dizer que não possui ideia do que seja o sol, nem mesmo um cego, pois “nada refoge ao seu calor”.

Esse bendito silêncio eloquente, que a todos proclama a existência de um Criador, das coisas que desafia os cérebros mais brilhantes a lhes dar uma explicação, faz verdadeiro inventário, de tudo o que este Criador fez e deixa os homens indesculpáveis diante dele.

Adolescente ainda, eu fiquei impressionado com os efeitos (ganhou Oscar apenas por efeitos especiais) usados pelo diretor para simular essa ideia de silêncio eloquente e solidão espacial, de que o salmista já falava a tanto tempo e que mostram a existência do Criador, mas que, segundo o filme, mostra apenas o vazio do espaço.

Olhando apenas o Salmo vemos com clareza algumas comparações: O silêncio do espaço grita tanto quanto o calor do sol que a todos atinge. O sol, percorre os céus de uma extremidade a outra da mesma forma que a “palavra silenciosa” de Deus percorre a terra de um lado a outro anunciando a todos a glória do Criador, listando a quantidade enorme das obras feitas por suas mãos.

Não é sem razão que o apóstolo Paulo ao analisar a situação dos seres humanos diante da negação do que é naturalmente óbvio escreve: “Pois o que se pode conhecer sobre Deus é manifesto entre eles, porque Deus lhes manifestou. Pois os seus atributos invisíveis, seu eterno poder e divindade, são vistos claramente desde a criação do mundo e percebidos mediante as coisas criadas, de modo que esses homens são indesculpáveis” (Rm 1.19-20).

Ora, para se fazer um simples filme se recorreu a um artifício que imita o que naturalmente existe. Mas o que existe absolutamente não pode ter sido criado, pois isso pressupõe a existência de um criador. Percebeu? O filme, que imita o verdadeiro, pode ter sido criado. O que ele imita não.

“Dizendo-se sábios, tornaram-se loucos” (Rm 1.22).

sábado, 15 de setembro de 2012

Nossas roças modernas

Chegaram os dias compridos quando o sol, antes do despertador, nos lembra que as misericórdias do Senhor se renovaram mais uma vez e as noites curtas, quentes e mal dormidas competem com o calor do dia dando-nos a impressão de que eles são mais compridos ainda.

Época desconfortável para quem vive nas ilhas de calor também conhecidas como cidades, mesmo para os que se refugiam nos ambientes refrigerados, pois quando precisam sair deles o choque térmico é cruel. Mas para quem ainda trabalha o solo, como nossos antepassados é uma época de desafios e de exercício da fé: é época de plantar.

Ao longo de todo Antigo Testamento encontramos o povo de Deus pedindo-lhe fartas colheitas. Na dedicação do Templo, Salomão pediu a Deus que atendesse as orações ali feitas pelos campos de modo que sempre houvesse chuvas e os estivessem livres do crestamento, da ferrugem e das larvas.

O salmista canta a quem, com os braços cheios colhe aquilo que semeou com lágrimas e pede celeiros atulhados com toda sorte de provisões. Também canta os vales vestidos de grãos e exultantes de alegria.

No Novo Testamento o Senhor Jesus, falando de colheitas, falava de abundância: trinta, sessenta e cem por um!

Já em nossos dias é difícil encontrar alguém que se alimente apenas do que planta em suas terras. Mesmo o fazendeiro, ou o agricultor, não vive apenas do que maneja. Ele vende sua produção e compra os outros víveres de que precisa. E podemos dizer que a regra geral é trabalhar no comércio, na indústria, ou no setor de serviços, e adquirir os alimentos nos mercados, mercearias, padarias, etc.

Seria errado dizer que as plantações de nossos antepassados, equivalem aos nossos balcões, equipamentos, mesas, escritórios, consultórios, etc.? Eu acho que não. A roça de um comerciante é sua loja. O campo de um industriário é sua fábrica. A plantação de um prestador de serviços é seu balcão. Se patrão seu lucro é sua colheita. Se empregado a colheita é seu salário. Seria errado orar por estes, se o próprio Deus nos manda orar por aqueles? Certamente não!

No Diretório Litúrgico elaborado pelos Confessores de Westminster, que nossa Igreja resumiu em seus Princípios de Liturgia, havia uma só ordem determinada para celebrar o culto. Esta ordem previa que o pastor antes de pregar fizesse uma oração por diversos assuntos de interesse geral da Igreja. Tais assuntos são enumerados detalhadamente (cerca de 22), e um deles é: “Por clima próprio a cada estação, e colheitas de acordo com o seu devido tempo”.

Nos dias antigos nossos pais se alimentavam do que plantavam e vendiam o excedente, ou trocavam pelo que precisavam. Nos tempos bíblicos os que plantavam cevada ou trigo reservavam o necessário para a família e trocavam parte por vinho, azeite, ovelhas, ou pelo que precisassem.

Geralmente cada um plantava frutas em seu quintal: figos, romãs, damascos, etc. Ou as comiam in natura, ou as usavam em alguns pratos. Mas principalmente as desidratavam para comê-las até a próxima estação. As uvas e as azeitonas podiam também ser cultivadas em pequena escala no quintal. Mas, se a terra era propícia plantava-se mais para fazer bons vinhos, o que demandava um lagar, ou bons azeites, o que exigia uma prensa. E por isso também oravam.

Hoje passamos o dia em fábricas, balcões ou salas. Os calos das mãos migraram para o cérebro. Se antes nossos pais aliviavam o cansaço do corpo ao se deitarem após a lida, hoje nosso sono, dores de cabeça, e dificuldade de dormir, são os frutos da preocupação com algo que ficou pela metade, ou que ainda sequer aconteceu, mas imaginamos que pode acontecer.

Eles oravam por chuvas na lavoura. Por que não oramos também pelo equivalente nas nossas roças modernas? Eles pediam boas colheitas. Por que não pedimos que Deus nos conduza a bons resultados em nossos negócios? Por que não pedimos ao Senhor que promova o reconhecimento de nossos esforços dobrados através de salários melhores?

Não podemos esquecer de Deus em nosso dia a dia. Ele mesmo nos ensinou através de seu servo a pedir-lhe “confirma a obra de nossas mãos”.

sábado, 8 de setembro de 2012

A família de Zebedeu

Este nome de som curioso nos chegou através de sua forma grega Zebedaiou, mas era largamente usado na forma hebraica Zebadias, na qual há pelo menos nove personagens bíblicos. Significa “O SENHOR é minha porção”.

O Zebedeu, de quem o Novo Testamento destaca os filhos, deve ter sido um homem abastado, pois possuía empregados em sua empresa de pesca (Mc 1.20). Empresa familiar, algo parecido com o que hoje chamamos de cooperativa, pois além de incluir seus filhos incluía Simão Pedro (veja Lc 5.10).

Marcos (15.40) nos diz que Maria Madalena, Maria (mãe de Tiago) e Salomé acompanharam a crucificação do Senhor. Mateus (27.55-56) cita a mesma ocasião, mas fala de Maria Madalena, Maria (mãe de Tiago e José) e da mulher de Zebedeu. Seria Salomé, citada por Marcos, a mulher de Zebedeu, citada por Mateus? Tradicionalmente aceita-se que sim.

Relatando ainda a mesma ocasião, João escreve: “E junto à cruz estavam a mãe de Jesus, e a irmã dela, e Maria, mulher de Clopas, e Maria Madalena (Jo 19.25). Desse texto tem-se inferido que Salomé era irmã de Maria, mãe de Jesus. Isso implica que os filhos de Zebedeu seriam primos de Jesus.

Tradicionalmente tem-se concluído que, Zebedeu era o dono de uma pequena empresa de pesca. Era pai de Tiago e João. Casado com Salomé (forma feminina do nome Salomão) e cunhado de Maria, a mãe de Jesus, e portanto tio materno dele.

Tiago e João foram apelidados por Jesus de Boanerges, filhos do trovão (Mc 3.17), pelo gênio esquentado que os caracterizava. Podemos ver um exemplo disso quando os dois pedem autorização a Jesus para mandarem descer fogo dos céus e consumir uma vila de samaritanos que lhe negaram hospedagem (Lc 9.54), ou quando submeteram a própria mãe ao vexame de pedir ao Senhor que seus filhos se assentassem ao seu lado (Mt 20.20-24), ou ainda quando João proibiu certo homem, que não seguia a Jesus, de expelir demônios em nome dele e foi repreendido pelo Senhor (Lc 9.49). Apesar disso foram enviados pelo Senhor para preparar a refeição pascal (Lc 22.8).

Tiago provavelmente era o irmão mais velho, pois os Evangelhos sinóticos consistentemente sempre falam “Tiago e João”, nesta ordem (veja: Mt 4.21, 10.2, 17.1, Mc 1.29, 9.2, 10.35e41, 13.3, 14.33, Lc 5.10, Lc 6.14 e 9.54). E quando João é mencionado sozinho, acrescenta-se “irmão de Tiago” ou “João, seu irmão” (Veja: Mt 4.21, 10.2, Mc 1.19, 3.17 e 5.37).

No ano 44 Herodes Agripa mandou matá-lo (At 12.2).

De João sabemos que foi chamado por Jesus junto com seu irmão, e pelas peculiaridades de seu Evangelho, podemos notar que ele presenciou privilegiadamente alguns fatos:

- Só ele cita o milagre acontecido no casamento em Caná, especialmente a conversa de Jesus com sua mãe.

- Por ser conhecido do sumo sacerdote foi admitido ao pátio de sua casa onde testemunhou o julgamento do Senhor e a negação de Pedro.

- Foi o único dos apóstolos a permanecer aos pés da cruz (Jo 19.26). E a seus cuidados Jesus deixou sua mãe, apesar de ela ter outros quatro filhos e pelo menos duas filhas (veja Mc 6.3).

- Quando Maria Madalena avisou a ele e a Pedro que o túmulo do Senhor estava vazio, eles correram para lá. Como era mais jovem do que Pedro chegou antes, mas só entrou depois de Pedro.

- A respeito dele divulgou-se um boato que não morreria até que Jesus voltasse, fruto de uma má interpretação das palavras do Senhor, que ele mesmo corrige em seu Evangelho.

- Trabalhou com Pedro no início da Igreja em Jerusalém e o vemos atuante na cura miraculosa de um paralítico que ficava à Porta Formosa do Templo, na prisão ordenada pelo Sinédrio, na verificação dos acontecimentos em Samaria. Depois disso as únicas informações que a Bíblia nos dá sobre ele são indiretas: Paulo o chama de uma das colunas da Igreja de Jerusalém (Gl 2.9), e ele chama a si mesmo de Presbítero em sua carta à Kíria (em português traduzida como senhora eleita) (2Jo 1.1) e a Gaio (3Jo 1.1).

- Seu nome aparece ligado a cinco livros do Novo Testamento: Três cartas, o Apocalipse e o quarto Evangelho.

Duas coisas chamam a atenção de quem estuda a vida deste filho de Zebedeu:

1ª – Suas mudanças:

- De Boanerges (segundo Jesus) para Discípulo do Amor conforme se depreende de suas cartas (as quais não deixam de repreender).

- Por ocasião da Ceia com Jesus sua intimidade com ele era tão grande que estava recostado em seu peito. Trinta anos depois, quando o vê na Ilha de Patmos, já glorificado, João cai aos pés do Senhor “como morto”!

2ª – A grande confusão estabelecida pela tradição: Modernamente há uma corrente afirmando que ambos os filhos de Zebedeu foram mortos por Herodes. Entretanto a tradição mais aceita é que João, tomando Maria, a mãe de Jesus mudou-se para Éfeso onde viveu até os dia de Trajano, que foi césar de 98-117.

O problema com as duas tradições é que a primeira desdiz claramente a Bíblia, que atesta apenas a morte de Tiago, e mostra João em atividade após ela. E o problema com a segunda é a autoria do Apocalipse. Ele mesmo diz que o escreveu (veja Ap 1.1, 4, 9 e 22.8). Se ele morava em Éfeso e escreveu o Apocalipse como é que ele poderia escrever uma carta repreendendo o pastor da Igreja de lá? Era natural que sendo apóstolo ele fosse o responsável pela igreja, porem ele diz que seu pastor esqueceu seu primeiro amor e o exorta, como ameaças, a voltar a prática das primeiras obras! (Veja Ap 2.4-5).

Cada um dos integrantes da família de Zebedeu pode dar lições preciosas sobre dificuldades enfrentadas e superadas. Cabe a nós meditar sobre eles.

sábado, 1 de setembro de 2012

Estêvão

A narrativa dos acontecimentos imediatos ao apedrejamento de Estêvão nos dão certeza de que jamais lhe passou pela mente rogar clemência. Sequer quando era arguido diante do Sinédrio nem quando executado fora da cidade. Diante da corte ele fez um discurso que mais se parecia com uma aula de história e fora da cidade rogou a Deus que perdoasse seus algozes.

Não há dúvidas de que os gestos de Estêvão nos impõem mais do que simples admiração e respeito. Ele cumpriu a ordem de nosso Mestre e Senhor e perdoou seus assassinos: “amai os vossos inimigos e orai pelos que vos perseguem” (Mt 5.44).

Seu exemplo afetou tão profundamente a Igreja de Jerusalém que ecoa nas instruções que Pedro dá aos demais cristãos: “santificai a Cristo, como Senhor, em vosso coração, estando sempre preparados para responder a todo aquele que vos pedir razão da esperança que há em vós...” (1Pe 3.15). E não tenho dúvida de que nele também se cumpriram: “Quando, pois, vos levarem e vos entregarem, não vos preocupeis com o que haveis de dizer, mas o que vos for concedido naquela hora, isso falai; porque não sois vós os que falais, mas o Espírito Santo” (Mc 13.11).

O conteúdo do discurso de Estêvão, é até hoje fonte de grandes ensinamentos para nós. Sua estrutura é extremamente simples e lembra o que um pai de família judeu deveria fazer antes da celebração da páscoa: contar toda história de Israel sem esconder nenhum pecado.

Estêvão fala de muitos antepassados, mas destaca dois, Abraão e Moisés, e os compara a Jesus.

De Abraão destaca sua fé e de como as promessas a ele feitas só se cumpriram muito tempo depois, através de Moisés que foi rejeitado com rebeliões apesar de Deus o haver confirmado como o libertador. Portanto, o primeiro ponto de Estêvão em seu discurso é mostrar que a rebeldia dos pais ainda podia ser vista nos filhos: “...assim como fizeram vossos pais, também vós o fazeis. Qual dos profetas vossos pais não perseguiram? Eles mataram os que anteriormente anunciavam a vinda do Justo, do qual vós agora vos tornastes traidores e assassinos, vós que recebestes a lei por ministério de anjos e não a guardastes” (At 7.51-53).

Ou seja: Vocês estão completando o pecado que vossos pais iniciaram.

Mas, a razão dessa rebeldia, é que me parece ter sido a gota final: o Templo.

Pelo raciocínio de Estêvão o ideal de Deus era o Tabernáculo, que fora feito conforme Deus havia mostrado a Moisés: “O tabernáculo do Testemunho estava entre nossos pais no deserto, como determinara aquele que disse a Moisés que o fizesse segundo o modelo que tinha visto” (At 7.44). O Templo, erigido por Salomão, foi “tolerado” por Deus por amor a Davi (como tolerou que Israel fosse dirigido por uma monarquia): “...até aos dias de Davi. Este achou graça diante de Deus e lhe suplicou a faculdade de prover morada para o Deus de Jacó. Mas foi Salomão quem lhe edificou a casa. Entretanto, não habita o Altíssimo em casas feitas por mãos humanas; como diz o profeta: O céu é o meu trono, e a terra, o estrado dos meus pés; que casa me edificareis, diz o Senhor, ou qual é o lugar do meu repouso? Não foi, porventura, a minha mão que fez todas estas coisas?” (At 7.45-50).

(Esta tese de Deus tolerar certas atitudes com as quais não concorda é corroborada pelas palavras de Jesus a respeito do casamento: “Respondeu-lhes Jesus: Por causa da dureza do vosso coração é que Moisés vos permitiu repudiar vossa mulher; entretanto, não foi assim desde o princípio” (Mt 19.8).)

Ao falar do Templo, Estêvão tocou em um assunto melindroso para judeus e cristãos. Vemos o quanto os judeus ficaram furiosos quando nosso Senhor foi acusado de dizer que destruiria o Templo e só não o condenaram por isso por falta de testemunhas unânimes. Não creio que fosse apenas uma questão de zelo religioso. Talvez o que pesasse mais fosse a importância política e econômica que ele tinha para Jerusalém, e para todo Israel. Temos um vislumbre quando o Senhor expulsou os comerciantes lá instalados com a participação societária das autoridades daquela casa.

No que concerne aos cristãos é ainda mais complicado, pois já se passara uns cinco anos e eles ainda obedeciam a agenda do Templo, mesmo sabendo que o Santo dos Santos fora exposto pelo véu rasgado (cortina tão espessa que demorava anos para ser tecida novamente) e, pior: viram o verdadeiro Cordeiro ser morto! Como é que eles ainda sequer iam lá?

Estêvão, se não foi o primeiro a perceber, foi o primeiro a expor publicamente a desgraça que o Templo judeu atraía sobre a Igreja. Deus ainda tolerou cerca de trinta anos e como a Igreja não se corrigiu destruiu totalmente aquele lugar para que entendessem que estavam livres da lei cerimonial. Mas, será que entenderam mesmo?

“E apedrejavam Estêvão, que invocava e dizia: Senhor Jesus, recebe o meu espírito! Então, ajoelhando-se, clamou em alta voz: Senhor, não lhes imputes este pecado! Com estas palavras, adormeceu. E Saulo consentia na sua morte. Naquele dia, levantou-se grande perseguição contra a igreja em Jerusalém; e todos, exceto os apóstolos, foram dispersos pelas regiões da Judéia e Samaria” (At 7.59 – 8.1).

Após a morte de Estêvão, no mesmo dia começou a primeira grande perseguição contra a Igreja. Felipe foi para Samaria e lá desenvolveu um ministério abençoado. Tiago, o meio irmão de Jesus, escreveu a carta que temos na Bíblia. A morte de Estêvão foi uma das sementes usadas por Deus que frutifica até hoje.

sábado, 25 de agosto de 2012

Não era pra ser assim

Dia desses numa fila de banco, desprevenido de um bom livro, me vi aborrecido entre uma discussão sem fim de três torcedores que não se cansavam de elogiar as virtudes de seus respectivos times e as queixas de duas senhoras contra suas balanças, até que ouvi algo inusitado: feijoada diet! Saí de lá rindo de tamanho disparate, para depois descobrir que existe. Parece uma contradição de termos, mas existe!

Que mundo o nosso! Tomamos café sem cafeína e leite sem lactose. Comemos pão sem glúten, geleias sem açúcar, carnes feitas de soja e agora um prato gordo sem gordura.

Qualquer um que já tenha lido as Sagradas Escrituras com um pouquinho de atenção deve se lembrar de textos como o seguinte: “O SENHOR dos Exércitos dará neste monte a todos os povos um banquete de coisas gordurosas, uma festa com vinhos velhos, pratos gordurosos com tutanos e vinhos velhos bem clarificados” (Is 25.6).

Todos os povos comerão as carnes gordas e beberão os vinhos especiais. Você está preparado? Seu colesterol permite?

Quando Deus criou nossos pais deu sua primeira ordem: “Sede fecundos, multiplicai-vos, enchei a terra e sujeitai-a; dominai sobre os peixes do mar, sobre as aves dos céus e sobre todo animal que rasteja pela terra” (Gn 1.28). Não é bem isso que vemos hoje.

As políticas públicas já declararam guerra aberta as altas taxas de fecundidade a tal ponto que quando ouvimos alguém dizer que quer uma família numerosa, estranhamos. Já é proibitivo até andar em um carro convencional: como instalar quatro cadeirinhas no banco de trás? E como andar com crianças sem cadeirinhas?

Agrava-se, ou pelo menos aumenta a proporção do problema, quando examinamos o restante do versículo: Enchei a terra e dominai sobre tudo o que nela habita.

Há um consenso geral, cada vez mais disseminado de que o planeta terra já está cheio. Slogans do tipo “Lotação Esgotada” longe de ser algo sensacionalista e local revela a mentalidade que percorre o mundo em documentos oficiais da ONU que falam do excesso populacional e mostram a razão da busca a planetas colonizáveis.

Pior ainda é o verbo dominar. O contexto em que Deus confere ao homem domínio sobre suas obras, não admite a exploração deletéria que assistimos. O termo dominar está associado à ideia de cuidar: “Tomou, pois, o SENHOR Deus ao homem e o colocou no jardim do Éden para o cultivar e o guardar” (Gn 2.15).

O que aconteceu então? Deus nos criou para um propósito e vivemos outro totalmente diferente. Sequer podemos chamar de jardim o meio em que vivemos e muito menos podemos exercer qualquer domínio que não acabe sendo destrutivo. Nós, cristãos chamamos isso de Queda.

Nossos pais podiam ter tantos filhos quantos quisessem, mas antes que tivessem o primeiro, o inimigo de nossas almas os levou a duvidar de Deus e desobedecer a uma ordem simples que ele lhes havia dado. Essa desconfiança e desobediência os afastou de Deus e as consequência foram as piores possíveis: Tudo sobre o que eles deveriam ter domínio estava agora em revolta contra eles como eles estavam em revolta contra Deus.

- Sua biologia e seus relacionamentos pessoais foram danificados: “Multiplicarei sobremodo os sofrimentos da tua gravidez; em meio de dores darás à luz filhos; o teu desejo será para o teu marido, e ele te governará” (Gn 3.16).

- O meio ambiente e o relacionamento do homem com ele também foi danificado: “...maldita é a terra por tua causa; em fadigas obterás dela o sustento durante os dias de tua vida. Ela produzirá também cardos e abrolhos, e tu comerás a erva do campo. No suor do rosto comerás o teu pão, até que tornes à terra, pois dela foste formado; porque tu és pó e ao pó tornarás” (Gn 3.17-19).

Não é preciso muita imaginação para perceber que isso foi o começo de tudo o que vemos hoje. De perfeitamente harmonizados com a criação de Deus estamos em conflito. Perdemos até a gerência de nossos próprios corpos e já não podemos desfrutar totalmente das bênçãos daquilo que Deus criou. Chegamos ao ponto de celebrar a Ceia de seu Filho com suco de uvas para não despertar o alcoolismo latente em muitos irmãos que lutam contra esse vício desgraçado.

Não era pra ser assim. Mas é. O pecado interferiu em tudo e ainda interfere. Ainda prejudica. Ainda escraviza. E com o apóstolo dizemos: “Porque, no que diz respeito ao homem interior, tenho prazer na lei de Deus; mas vejo nos membros do meu corpo outra lei guerreando contra a lei da minha mente e me fazendo escravo da lei do pecado, que está nos membros do meu corpo. Desgraçado homem que sou! Quem me livrará do corpo desta morte?” (Rm 7.22-24)

Qual é a solução então? Hoje estamos livres do pecado pelo sacrifício de Cristo, mas não de suas consequências. Delas só ficaremos totalmente livre no último dia. Por essa razão vivemos hoje em total confiança diante de Deus, apesar de tristes pelo estado presente daquilo que enfrentamos. Mas, isso só nos faz levantar os nossos olhos em esperança e dizer com alegria: Volta logo Senhor Jesus!  

quarta-feira, 8 de agosto de 2012

Adorar a Jesus

Você já reparou que Jesus nunca recusou ser adorado? Examine as Escrituras Sagradas: sempre que alguém tenta adorar um anjo ele recusa a adoração e manda que a pessoa adore a Deus. Por exemplo: “Então, me falou o anjo: Escreve: Bem-aventurados aqueles que são chamados à ceia das bodas do Cordeiro. E acrescentou: São estas as verdadeiras palavras de Deus. Prostrei-me ante os seus pés para adorá-lo. Ele, porém, me disse: Vê, não faças isso; sou conservo teu e dos teus irmãos que mantêm o testemunho de Jesus; adora a Deus. Pois o testemunho de Jesus é o espírito da profecia” (Ap 19.9-10).

Ainda bebê, com menos de dois anos, o Senhor Jesus foi adorado por uns magos que vieram do oriente: “Entrando na casa, viram o menino com Maria, sua mãe. Prostrando-se, o adoraram; e, abrindo os seus tesouros, entregaram-lhe suas ofertas: ouro, incenso e mirra” (Mt 2.11).

Explicitamente os evangelhos narram que Jairo, o chefe da sinagoga de Cafarnaum, e pai cuja filha estava à morte foi suplicar por ela a Jesus e o adorou (Mc 9.18). Também a mulher canaanita, cuja filha estava endemoninhada, ao suplicar pela criança o adorou (Mt 15.25). Marcos diz que em Gadara um endemoninhado, que se flagelava pelos sepulcros sem descanso, ao vir Jesus correu ao seu encontro e o adorou suplicando que não o atormentasse (Mc 5.1-14).

Você deve ter notado que nestes últimos casos todos o adoraram antes de pedir alguma coisa. Diferentemente do cego que depois de curado, quando o reconheceu, o adorou agradecido (Jo 9.38).

Porém, sem usar explicitamente a palavra adorar, podemos ver claramente gestos de adoração em várias ocasiões.

Na casa do fariseu Simão, quando a pecadora cobriu os pés de Jesus com lágrimas, beijos e unguento precioso (Lc 7.36-50) fornecendo-lhe muito mais do que lhe fora negado pelo hospedeiro. Na casa de Maria, Marta e Lázaro quando a própria Maria derramou sobre a cabeça de Jesus um perfume tão caro que valia um ano de salário (Jo 12.3-5). E um dos dez leprosos curados prostrou-se com o rosto em terra aos pés de Jesus (Lc 17.15-16).

Não deixa de ser curioso ver que tantas pessoas se aproximaram de Jesus com pedidos e poucas com gratidão. O caso dos dez leprosos é um exemplo. Mais curioso ainda é que os que adoraram o Senhor Jesus antes de lhe pedir algo são mais numerosos do que aqueles que o adoraram em gratidão pelo que receberam.

Além dos textos já citados há outros três que não podem deixar de ser lembrados:

Quando Jesus ascendeu aos céus seus discípulos o adoraram (Lc 24.51-52). Certamente estavam convictos de sua divindade e já não tinham qualquer sobre o que acontecera ou sobre o que estava acontecendo.

Escrevendo aos Filipenses, que estavam fascinados por uma ideia estranha sobre Deus, o apóstolo Paulo, trata de mostrar-lhes o que Deus fez por nós através de Cristo e como nele tudo se inicia e se concretiza: “Pelo que também Deus o exaltou sobremaneira e lhe deu o nome que está acima de todo nome, para que ao nome de Jesus se dobre todo joelho, nos céus, na terra e debaixo da terra, e toda língua confesse que Jesus Cristo é Senhor, para glória de Deus Pai” (Fp 2.9.11).

E quando se refere a terra e céus é imperativo destacar: “E, novamente, ao introduzir o Primogênito no mundo, diz: E todos os anjos de Deus o adorem” (Hb 1.6).

Ora, certamente nós, cristãos, não temos dúvidas de que devemos adorar a nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo, que, no dizer de um de nossos Credos, é “o unigênito Filho de Deus, gerado pelo Pai antes de todos os séculos, Deus de Deus, Luz de Luz, verdadeiro Deus de verdadeiro Deus, gerado, não feito, de uma só substância com o Pai; pelo qual todas as coisas foram feitas; o qual por nós homens e por nossa salvação, desceu dos céus, e foi feito carne pelo Espírito Santo da Virgem Maria, e foi feito homem; e foi crucificado por nós sob o poder de Pôncio Pilatos. Ele padeceu e foi sepultado; e no terceiro dia ressuscitou conforme as Escrituras; e subiu ao céu e assentou-se à direita do Pai, e de novo há de vir com glória para julgar os vivos e os mortos, e seu reino não terá fim”.

Há algo de misterioso em se adorar um bebê. Há algo de misterioso em se adorar um homem. Porém, mais misterioso é Deus se fazer um de nós. Assumir nossa natureza por toda eternidade. E ele o fez. Glórias pois a ele.

domingo, 5 de agosto de 2012

Pensando sobre a ficção

Nos últimos vinte anos tenho pensado muito a respeito desse assunto, pois não vejo a ficção como algo neutro, que nem faça bem nem faça mal, e quanto mais penso, mais me inquieto.

Qualquer obra de ficção é uma criação de quem a fez. Seu autor se torna um criador de um universo, com tempo, espaço e vidas próprias. Paradoxalmente é um universo que não existe, que, entretanto, pode influenciar as vidas reais, muito mais do que muitos estudos ou exortações sobre a realidade.

Tome qualquer novela, dessas que passam na televisão de sua casa. Primeiro: O enredo dela sempre se baseará sobre algum tipo de engano. Ou um engano honesto ou cometido por um vilão. Geralmente os enganos cometidos por vilões atraem mais, especialmente se forem sobre a paternidade de alguém ou sobre algum assassinato. Elas nunca variam muito. O que mudam são apenas os locais, os nomes dos personagens, os atores, os instrumentos do engano, as armas do vilão, etc. Sua história sempre é a história da superação de um, ou de muitos enganos. Obviamente há outros gêneros, mas uma pesquisa (pois não sou um aficionado) revelou-me que as novelas que começaram com outro gênero, precisaram se adaptar a esse para garantir audiência.

Segundo: Preste atenção no legado que ela deixa. A moda que ela lança, as músicas que se tornam (ou voltam a ser) sucessos e até os nomes dos personagens que migram para os pobres bebês que nascem durante o período em que ela está no ar.

Terceiro: Os padrões de comportamento que passam a ser, no mínimo, discutidos. Esses padrões, que muitas vezes pensamos terem sido escolhidos por estarem na moda, às vezes são forçados por um escritor, ou um pequeno grupo deles, que quer implanta-los. Depois de repeti-los em muitas ocasiões eles passam a ser tidos como aceitáveis.

A ficção nos lança em um mundo inexistente, cujas as fronteiras com o mundo real, em alguns lugares, são difíceis de perceber. Se na ficção existe um herói que voa e isso claramente não existe - embora alguns com mentes débeis ou fragilizadas por drogas já tentaram imitar e morreram - uma obra pode mostrar alguém de vida totalmente normal, que almoça, janta e dorme como todas as pessoas, mas aprendeu a possibilidade de fazer algo novo, com um personagem que não existe senão na cabeça de seu criador humano, que é pecador e totalmente depravado pelo pecado.

Agrava-se o fato de que os autores ficcionais dificilmente são limitados por algum tipo de “cerceamento moral” já que a competitividade os obriga a ser cada vez mais criativos em mostrar novos modos de matar alguém, ou de praticar atos libidinosos ou qualquer outra coisa que choque, ou pelo menos atraia uma plateia e lhes garanta o título efêmero de “o mais criativo”.

Eu pertenço a uma geração que viu o primeiro beijo heterossexual da TV, depois da descoberta gradual do corpo feminino finalmente o primeiro nu frontal e alguns anos atrás o primeiro beijo homossexual. No cinema, embora a velocidade tenha sido mais rápida, as coisas também foram progressivas. Numa entrevista recente, um ator, cujo nome prefiro não dizer, confessava que todos tinham como dever testar os limites da censura da época, como têm o dever de testar o que a sociedade aceita hoje.

Repare o quanto isso valida a expressão “A vida imita a arte”.

Um texto mínimo como este não pode pretender ser um ensaio sobre algo tão extenso. Deixando de lado as possibilidades filosóficas e até teológicas (como C. S. Lewis conseguiu fazer tão bem) e ficando em nossa ficção cotidiana dá pra perceber alguns valores que se repetem, como se repetem os instrumentos do enredo.

Sempre os personagens declaram ser, acima de tudo, fiéis a si mesmos. E essa fidelidade justifica tudo. Para ser fiel a si mesma uma mãe abandona seus filhos e segue uma amante mundo afora. Um avô deixa sua família, trabalho e amigos para viver uma aventura verdadeira com uma jovenzinha que lhe traz a juventude de volta. Muitas vezes a fidelidade a si mesmo é mostrada como uma virtude: honestidade (mesmo que para isso tenha de ser desonesto para com os outros). É como a novela que mostrou um rapaz que não encontrava nenhum trabalho de que gostasse até que experimentou ser assassino (como se um jovem já tivesse experimentado todos os demais tipos de trabalho).

Um segundo valor se impõe para validar o primeiro: o encontro com a felicidade (sem que haja uma verdadeira definição do que seja felicidade, mas admitindo que todos a reconheçam tão logo a encontrem). O encontro com ela justifica tudo. Tudo mesmo.

Você há de convir comigo que nunca teria feito determinadas coisas se não as visse primeiro nos meios de comunicação de massa. Isso é altamente provado pela propaganda, que passa a vender um produto do qual nunca se ouviu falar antes. Pois bem: São exatamente esses meios os mais comprometidos com a ficção a tal ponto de tornarem a própria verdade numa espécie de ficção.

Obviamente a ficção não deixa de ser um instrumento útil nas mãos de um mestre. Veja, por exemplo as parábolas de nosso Senhor e as lições que se pode tirar delas. Entretanto, todas elas possuem um compromisso total com Deus e com os valores da realidade, pois sobretudo vivemos em um mundo real.

Creio que é por esta razão que o apóstolo Paulo, escrevendo aos filipenses, destaca a importância de se considerar a realidade em detrimento da ficção ou fantasia, como algo importante para a solidificação da vida espiritual: “Finalmente, irmãos, tudo o que é verdadeiro, tudo o que é respeitável, tudo o que é justo, tudo o que é puro, tudo o que é amável, tudo o que é de boa fama, se alguma virtude há e se algum louvor existe, seja isso o que ocupe o vosso pensamento” (Fp 4.8).

domingo, 29 de julho de 2012

À mesa com Jesus

Sempre que podia, nosso Senhor participava de festas ou banquetes independentemente de quem o convidava ou estava lá. Isso era notável especialmente para o povo judeu, pois para eles assentar-se em uma roda, como exortava o Salmo 1, deveria ser algo criterioso, especialmente se fosse para comer, uma vez que ao se compartilhar alimentos havia uma espécie de celebração tácita de uma aliança de amizade.

Os Evangelhos sinóticos registram o chamado de Mateus ou Levi e são unânimes em notar que os fariseus questionaram o comportamento de Jesus, estranhando que um mestre comesse com publicanos e pecadores.

A resposta de Jesus, registrada igualmente pelos três evangelistas, foi: “Não vim chamar justos mas pecadores ao arrependimento”. Ou seja: ao confraternizar-se Jesus estava fazendo o mesmo que fez ao tocar os leprosos, ou ao tocar o cadáver, ou ao deixar-se tocar pela prostituta. Paulo entendeu tão bem que registrou: Deus “o fez pecado por nós” (2Co 5.21).

Mateus e Lucas registraram que Jesus desabafou, imprecando contra sua geração, com as seguintes palavras: “A que, pois, compararei os homens desta geração? A que são semelhantes? São semelhantes a crianças que, sentadas nas praças, gritam umas às outras: Tocamos flauta para vós, e não dançastes; cantamos lamentações, e não chorastes. Porque João Batista veio, não comendo pão nem bebendo vinho, e dizeis: Tem demônio; e veio o Filho do homem, comendo e bebendo, e dizeis: É um glutão e bebedor de vinho, amigo de publicanos e pecadores” (Lc 7.31-34).

Lucas registra que antes do Senhor Jesus contar a Parábola da Ovelha Perdida “Aproximavam-se de Jesus todos os publicanos e pecadores para o ouvir. E murmuravam os fariseus e os escribas, dizendo: Este recebe pecadores e come com eles” (Lc 15.1-2).

No banquete oferecido por Levi, onde havia publicanos e pecadores, na casa de Zaqueu, reputado como pecador por ser o principal publicano daquela região, ou em uma refeição mais caseira, como as que tomou em tantas casas, como na de Maria e Marta, certamente era um privilégio dividir os alimentos e a conversa com Jesus, mas curiosamente só há um relato, que eu me lembre agora, dessas conversas à mesa com Jesus. Aconteceu na casa do fariseu Simão.

Simão o convidou para jantar, mas o recebeu desdenhosamente esperando com isso ser imitado pelos demais sobre os quais tinha influência. Permitiu até que uma prostituta entrasse em sua casa, pois assim mostraria que tipo de profeta era Jesus (Lc 7.36-50). Nesse contexto ocorre o diálogo. Na realidade uma agressão inusitada: Jesus agride seu hospedeiro, mostrando-lhe e a todos o quanto ele era pior do que a prostituta apesar de julgar-se melhor do que ela.

Mas houve uma refeição especial, à qual Jesus só permitiu a presença de seus discípulos: sua última ceia:

“Jesus, pois, enviou Pedro e João, dizendo: Ide preparar-nos a Páscoa para que a comamos. Eles lhe perguntaram: Onde queres que a preparemos? Então, lhes explicou Jesus: Ao entrardes na cidade, encontrareis um homem com um cântaro de água; segui-o até à casa em que ele entrar e dizei ao dono da casa: O Mestre manda perguntar-te: Onde é o aposento no qual hei de comer a Páscoa com os meus discípulos? Ele vos mostrará um espaçoso cenáculo mobilado; ali fazei os preparativos. E, indo, tudo encontraram como Jesus lhes dissera e prepararam a Páscoa. Chegada a hora, pôs-se Jesus à mesa, e com ele os apóstolos. E disse-lhes: Tenho desejado ansiosamente comer convosco esta Páscoa, antes do meu sofrimento. Pois vos digo que nunca mais a comerei, até que ela se cumpra no reino de Deus” (Lc 22.8-16).

Observe o cuidado que Jesus tomou com este momento. Jesus a preparou meticulosamente: 1) Judas não soube antecipadamente o lugar em que ela aconteceria, pois Jesus não queria ser interrompido. 2) Dela não participou sequer os donos da casa. Apenas seus discípulos. Era sua última aula e esta precisava ficar para sempre na mente de todos, especialmente daqueles que nos últimos dias discutiam quem seriam o maior. 3) Dela participaram os dois que haveriam de negá-lo: Pedro e Judas. Pedro, participou com o coração quebrantado. Errou, mas recebeu forças para superar seu erro mesmo que o tenha chorado amargamente. Judas recebeu a ceia pensando em como trair o Senhor: recebeu indignamente. Recebeu para condenação.

João relata pelo menos duas ou três horas de conversa intima e intensa com seus apóstolos: Lavou-lhes os pés, ordenando que fizessem o mesmo uns aos outros, providenciou a saída de Judas e passou a dar-lhes instruções finais: sobre como cumprir sua vontade permanecendo nele tal qual o ramo permanece na videira e sobre a missão do Espírito Santo. Finalmente orou por eles.

Não era uma refeição qualquer. Era um antegosto da verdadeira que esperamos, celebrar com ele no dia eterno. Aliás, ele espera também: “A seguir, tomou Jesus um cálice e, tendo dado graças, o deu aos seus discípulos; e todos beberam dele. Então, lhes disse: Isto é o meu sangue, o sangue da nova aliança derramado em favor de muitos. Em verdade vos digo que jamais beberei do fruto da videira, até àquele dia em que o hei de beber, novo, no reino de Deus” (Mc 14.23-25).