sábado, 1 de setembro de 2012

Estêvão

A narrativa dos acontecimentos imediatos ao apedrejamento de Estêvão nos dão certeza de que jamais lhe passou pela mente rogar clemência. Sequer quando era arguido diante do Sinédrio nem quando executado fora da cidade. Diante da corte ele fez um discurso que mais se parecia com uma aula de história e fora da cidade rogou a Deus que perdoasse seus algozes.

Não há dúvidas de que os gestos de Estêvão nos impõem mais do que simples admiração e respeito. Ele cumpriu a ordem de nosso Mestre e Senhor e perdoou seus assassinos: “amai os vossos inimigos e orai pelos que vos perseguem” (Mt 5.44).

Seu exemplo afetou tão profundamente a Igreja de Jerusalém que ecoa nas instruções que Pedro dá aos demais cristãos: “santificai a Cristo, como Senhor, em vosso coração, estando sempre preparados para responder a todo aquele que vos pedir razão da esperança que há em vós...” (1Pe 3.15). E não tenho dúvida de que nele também se cumpriram: “Quando, pois, vos levarem e vos entregarem, não vos preocupeis com o que haveis de dizer, mas o que vos for concedido naquela hora, isso falai; porque não sois vós os que falais, mas o Espírito Santo” (Mc 13.11).

O conteúdo do discurso de Estêvão, é até hoje fonte de grandes ensinamentos para nós. Sua estrutura é extremamente simples e lembra o que um pai de família judeu deveria fazer antes da celebração da páscoa: contar toda história de Israel sem esconder nenhum pecado.

Estêvão fala de muitos antepassados, mas destaca dois, Abraão e Moisés, e os compara a Jesus.

De Abraão destaca sua fé e de como as promessas a ele feitas só se cumpriram muito tempo depois, através de Moisés que foi rejeitado com rebeliões apesar de Deus o haver confirmado como o libertador. Portanto, o primeiro ponto de Estêvão em seu discurso é mostrar que a rebeldia dos pais ainda podia ser vista nos filhos: “...assim como fizeram vossos pais, também vós o fazeis. Qual dos profetas vossos pais não perseguiram? Eles mataram os que anteriormente anunciavam a vinda do Justo, do qual vós agora vos tornastes traidores e assassinos, vós que recebestes a lei por ministério de anjos e não a guardastes” (At 7.51-53).

Ou seja: Vocês estão completando o pecado que vossos pais iniciaram.

Mas, a razão dessa rebeldia, é que me parece ter sido a gota final: o Templo.

Pelo raciocínio de Estêvão o ideal de Deus era o Tabernáculo, que fora feito conforme Deus havia mostrado a Moisés: “O tabernáculo do Testemunho estava entre nossos pais no deserto, como determinara aquele que disse a Moisés que o fizesse segundo o modelo que tinha visto” (At 7.44). O Templo, erigido por Salomão, foi “tolerado” por Deus por amor a Davi (como tolerou que Israel fosse dirigido por uma monarquia): “...até aos dias de Davi. Este achou graça diante de Deus e lhe suplicou a faculdade de prover morada para o Deus de Jacó. Mas foi Salomão quem lhe edificou a casa. Entretanto, não habita o Altíssimo em casas feitas por mãos humanas; como diz o profeta: O céu é o meu trono, e a terra, o estrado dos meus pés; que casa me edificareis, diz o Senhor, ou qual é o lugar do meu repouso? Não foi, porventura, a minha mão que fez todas estas coisas?” (At 7.45-50).

(Esta tese de Deus tolerar certas atitudes com as quais não concorda é corroborada pelas palavras de Jesus a respeito do casamento: “Respondeu-lhes Jesus: Por causa da dureza do vosso coração é que Moisés vos permitiu repudiar vossa mulher; entretanto, não foi assim desde o princípio” (Mt 19.8).)

Ao falar do Templo, Estêvão tocou em um assunto melindroso para judeus e cristãos. Vemos o quanto os judeus ficaram furiosos quando nosso Senhor foi acusado de dizer que destruiria o Templo e só não o condenaram por isso por falta de testemunhas unânimes. Não creio que fosse apenas uma questão de zelo religioso. Talvez o que pesasse mais fosse a importância política e econômica que ele tinha para Jerusalém, e para todo Israel. Temos um vislumbre quando o Senhor expulsou os comerciantes lá instalados com a participação societária das autoridades daquela casa.

No que concerne aos cristãos é ainda mais complicado, pois já se passara uns cinco anos e eles ainda obedeciam a agenda do Templo, mesmo sabendo que o Santo dos Santos fora exposto pelo véu rasgado (cortina tão espessa que demorava anos para ser tecida novamente) e, pior: viram o verdadeiro Cordeiro ser morto! Como é que eles ainda sequer iam lá?

Estêvão, se não foi o primeiro a perceber, foi o primeiro a expor publicamente a desgraça que o Templo judeu atraía sobre a Igreja. Deus ainda tolerou cerca de trinta anos e como a Igreja não se corrigiu destruiu totalmente aquele lugar para que entendessem que estavam livres da lei cerimonial. Mas, será que entenderam mesmo?

“E apedrejavam Estêvão, que invocava e dizia: Senhor Jesus, recebe o meu espírito! Então, ajoelhando-se, clamou em alta voz: Senhor, não lhes imputes este pecado! Com estas palavras, adormeceu. E Saulo consentia na sua morte. Naquele dia, levantou-se grande perseguição contra a igreja em Jerusalém; e todos, exceto os apóstolos, foram dispersos pelas regiões da Judéia e Samaria” (At 7.59 – 8.1).

Após a morte de Estêvão, no mesmo dia começou a primeira grande perseguição contra a Igreja. Felipe foi para Samaria e lá desenvolveu um ministério abençoado. Tiago, o meio irmão de Jesus, escreveu a carta que temos na Bíblia. A morte de Estêvão foi uma das sementes usadas por Deus que frutifica até hoje.

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