sábado, 23 de março de 2013

A última semana de Jesus (Parte 2)

Iniciei a primeira parte deste assunto mostrando o quanto os Evangelhos dão destaque a última semana do Senhor e concluí, com a narrativa de João, explicando que o Senhor colocou a si mesmo como padrão de amor ao próximo ao dizer: “Novo mandamento vos dou: que vos ameis uns aos outros; assim como eu vos amei, que também vos ameis uns aos outros” (Jo 13.34). Como essas palavras foram ditas em um contexto de despedida, deram ensejo a que Pedro prometesse dar a vida por Jesus, ao que ele respondeu: “Darás a vida por mim? Em verdade, em verdade te digo que jamais cantará o galo antes que me negues três vezes” (Jo 13.38).

Jesus já sabia que todos o abandonariam, pois assim profetizara Zacarias (Zc 13.7). Alertou seus discípulos de que eles se escandalizariam quando os acontecimentos profetizados se cumprissem (Mc 14.27-52). E se cumpririam, pois ele – Jesus – não deixaria cair sequer um i ou um til do que seu Espírito levara Zacarias e os demais profetas a registrar.

Porém, se ele era cuidadoso em não desdizer as Escrituras, como entender a participação dos demais na trama abominável que culminou em sua morte? Creio que a melhor resposta ainda é a tradicional: todos fizeram de acordo com os desejos dos próprios corações.

Judas e Pedro se destacam dos demais, que apenas fugiram. Alguns dizem que Judas era um zelote e, como lutava contra Roma para firmar o reino de Israel, ficou ressentido ao perceber que Jesus não tinha a menor intenção de estabelecer um reino material. Outros dizem que ele queria vingar-se de Jesus pela repreensão pública que recebera na casa de Maria (compare João 12.1-8, que identifica Judas como o maior repreendido, com Marcos 14.3-9 que mostra a veemência da repreensão de Jesus). Já outros atribuem seu ato apenas a possessão demoníaca.

Que o diabo sempre agiu na vida de Judas, Jesus deixa isso muito claro. Após proferir um discurso tão pesado que muitos discípulos o abandonaram. Então lhes explicou:ninguém poderá vir a mim, se, pelo Pai, não lhe for concedido” (Jo. 6.65). E perguntou aos Doze se eles queriam ir embora também. Pedro lhe respondeu que não havia pra onde ir, pois ele possuía as palavras de vida eterna, e eles (os Doze) tinham crido e conhecido que “tu és o Santo de Deus”. A conclusão de Jesus é esclarecedora, pois nos permite entender que Judas, foi mantido entre os Doze, com o consentimento do Pai, desde o princípio, mesmo ‘diabo’: Não vos escolhi eu em número de doze? Contudo, um de vós é diabo. Referia-se ele a Judas, filho de Simão Iscariotes; porque era quem estava para traí-lo, sendo um dos doze” (Jo 6.70-71).

Ora, os motivos externos, dos quais o diabo se servia, eram os mais comezinhos: roubar: “Isto disse ele, não porque tivesse cuidado dos pobres; mas porque era ladrão e, tendo a bolsa, tirava o que nela se lançava” (Jo 12.6).

Porém, o caso de Pedro me parece ser pior, pois Judas sequer era um filho de Deus: “Quando eu estava com eles, guardava-os no teu nome, que me deste, e protegi-os, e nenhum deles se perdeu, exceto o filho da perdição, para que se cumprisse a Escritura” (Jo 12.12).

Além de ser filho de Deus, Pedro conviveu com o próprio Jesus e por ele foi ensinado, exortado, admoestado e alertado, mas ele agiu como se de nada valesse as palavras do Senhor. Tão xucra era sua opinião. Tão teimosa e obstinada sua vontade.

Pedro foi amedrontado, não pelo que estava acontecendo, mas pelo que poderia acontecer. Pedro acovardou-se, não diante de um soldado armado, mas diante de uma criada faladeira. Pedro, no fundo, tinha mais vergonha do que medo.

Os quatro relatos da negação de Pedro – complementares, como seria de se esperar de narradores independentes – são de uma vivacidade impressionante. Descrevem o acontecimento com imagens vivas e cruas. Todos concordam que aconteceu no pátio da casa do sumo sacerdote, durante o julgamento noturno de Jesus. Todos concordam que a primeira a questionar Pedro foi uma criada. Mas cada um nos dá informações relevantes:

De João (Jo 18.15-27) ficamos sabendo que, por ele ser conhecido do sumo sacerdote, a entrada de Pedro foi facilitada. Então, provavelmente João tenha visto seu pecado. Nos informa também que o último questionador de Pedro era parente do servo do sumo sacerdote a quem Pedro havia cortado a orelha. Aliás, é por ele que sabemos que foi Pedro quem cortou.

Por Mateus (Mt 26.58-74) e Marcos (Mc 14.54-72) ficamos sabendo que Pedro jurou e praguejou para dar mais força a sua negação.

E por Lucas (Lc 22.55-62) sabemos que Jesus, imediatamente antes do galo cantar, fitou os olhos em Pedro e o fez lembrar-se de suas palavras.

Dentre os muitos pecados que cometeu, até chegar a esse ponto, Pedro foi principalmente imprudente. Ele desejava estar com o Senhor, mas também desejava guardar-se. Ele ainda não havia entendido que estar com Cristo, não consiste apenas em desfrutar de seus ensinos, mas também em estar com ele até mesmo no vale da sombra da morte.

Essa atitude de Pedro é muito parecida com a nossa hoje. Desejamos estar com Cristo nas horas boas, mas detestamos, ao ponto de negá-lo, ser apenas confrontados. Exemplo? Como é que acreditamos que Jesus viveu na história e morreu para nos salvar do pecado que Adão nos legou e chegamos ao ponto de dizer que Adão é apenas um símbolo de que Deus criou o homem? Se Adão é símbolo Jesus também o é. Se admitirmos isso estaremos cometendo, em nome do intelectualismo, o mesmo pecado de Pedro: Negando a Jesus.

Que haja sempre um galo a nos despertar!

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