sábado, 13 de setembro de 2014

Ezequiel, Isaías e Apocalipse

Não é de hoje que alguns estudiosos apontam semelhanças entre o Apocalipse de João e o Livro do Profeta Ezequiel (Para uma lista completa veja o artigo de David Chilton, “Apocalipse, Ezequiel e o Lecionário”, que pode ser achado em www.monergismo.com). Essas semelhanças podem ser diretas (quando as palavras são praticamente as mesmas) ou indiretas (quando o texto de João suscita apenas uma lembrança do texto de Ezequiel). A seguir, listo alguns exemplos, que eu mesmo escolhi, de semelhanças diretas.
1 - O livro selado por dentro e por fora, doce aos lábios (e, para João,  amargo ao estômago), descrito nos capítulos 5 e 10 de Apocalipse, pode ser visto em Ez 2.8 – 3.3.
2 - O trono de Deus, descrito em Ap 4, é muito parecido com o que é  descrito no capítulo 1 de Ezequiel.
3 - O povo de Deus é marcado na fronte, tanto em Ap 7.2-8 quanto em Ez 9.1-8.
4 - Em ambos (Ap 11.1-2 e Ez 40 – 43) o Templo é medido.
5 - Em ambos um banquete terrível (das carnes dos comandantes e dos príncipes da terra) é oferecido às aves do céu (e aos animais do campo, em Ezequiel): Ez 39.17-20 e Ap 19.5-21.
6 - Nos dois há uma “primeira ressurreição”. No apocalipse, são aqueles sobre os quais a segunda morte não tem poder (Ap 20.4-6) e, em Ezequiel, o vale de ossos secos do capítulo 37.
7 - Com exceção das listas genealógicas de Gênesis e de Crônicas, Gogue e Magogue só são citados em Ezequiel e no Apocalipse. E em ambos como inimigos do povo de Deus (Ap 20.7-9 e Ez 38 e 39).
8 - Em ambos há uma descrição muito semelhante do que João denomina de “Nova Jerusalém” (Ap 21 e Ez 40 – 48).
9 - João descreve (Ap 22.1-5)  o Rio da Vida de modo muito parecido com o rio descrito por Ezequiel (Ez 47).
Há muito mais! Entretanto, o que pretendo destacar, além da possibilidade de João ter usado o livro de Ezequiel, é que ambos tenham descrito as mesmas realidades. Ou seja: Ambos descrevem a mesma realidade.
Antes dos dois, Isaías também já havia descrito o trono de Deus, mas ainda não vi quem dissesse que Ezequiel usou o Livro de Isaías. Observe que, em cada uma dessas descrições, os detalhes dos arredores do trono são minuciosos, mas as descrições daquele que ocupa o trono é pouquíssima (ou inexistente) e muito cuidadosa.
Em Ezequiel (1.1-14) as figuras são: Vento tempestuoso, grande nuvem com fogo a revolver-se, com o redor resplandecente e algo brilhante como metal em seu interior. Quatro seres viventes, que saem da nuvem, tendo a aparência geral de homem, luzindo como o bronze polido, parecidos com “carvão em brasa à semelhança de tochas”, com os pés parecidos a pés de bezerro e as pernas retas. Cada um possuía quatro asas e quatro rostos (homem, leão, boi e águia), de modo que não se viravam, mas estavam sempre andando para frente. Ziguezagueavam como relâmpagos.
A “aparência da glória do SENHOR” é descrita (1.26-28) assim: Em uma espécie de trono de safira “uma figura semelhante a um homem” como metal brilhante, como fogo resplandecente ao seu redor, como o arco-íris.
A reação de Ezequiel: “caí com rosto em terra e ouvia voz de quem falava”
Em Isaías as figuras são: trono rodeado de serafins (ardentes) que possuíam seis asas e voavam ao redor gritando uns para os outros: “santo, santo, santo é o SENHOR dos Exércitos; toda a terra está cheia da sua glória”.
O Senhor é descrito apenas por sua roupa e por sua presença (enchendo o templo de fumaça e fazendo tremer os alicerces).
A reação de Isaías foi: “Então, disse eu: ai de mim! Estou perdido! Porque sou homem de lábios impuros, habito no meio de um povo de impuros lábios, e os meus olhos viram o Rei, o SENHOR dos Exércitos!”.
No Apocalipse além dos elementos comuns aos relatos de Ezequiel e de Isaías há também elementos novos:
1 - Diferentemente de Ezequiel, João não revela do que o trono é feito (e transmite uma leve impressão de que foi montado ali para aquela ocasião). Semelhantemente a Ezequiel, João descreve um arco-íris ao redor do trono, porém com o aspecto de esmeralda.
2 - Além de Ezequiel e Isaías, João fala de vinte e quatro anciãos, assentados em vinte e quatro tronos, vestidos de branco portando coroas de ouro. Fala também de sete tochas de fogo, “que são os sete Espíritos de Deus” e, lembrando Ex 24.10, de um “como que mar de vidro, semelhante ao cristal”.
3 - Semelhantemente a Ezequiel, João descreve quatro seres viventes. Cada ser vivente tem um rosto só (de leão, de novilho, de homem e de “águia em voo”). A tarefa deles é semelhante a dos serafins descritos por Isaías: “... não têm descanso, nem de dia nem de noite, proclamando: Santo, Santo, Santo é o Senhor Deus, o Todo-Poderoso, aquele que era, que é e que há de vir”. E, como os serafins, possuem seis asas (diferentemente dos querubins Ezequiel, que possuem quatro asas). João acrescenta nesses seres viventes a existência de olhos, “ao redor e por dentro”.
O que se assenta no trono, diferentemente da descrição de Ezequiel, tem um aspecto mais mineral (jaspe e sardônio – pedras avermelhadas) do que metálico.
Na disposição do texto há outras semelhanças entre Apocalipse e Isaías: Antes da visão do trono do Senhor, nos capítulos 1 a 5, através de muitas repreensões e exortações e “ais”, Isaías descreve a pecaminosidade de Judá. No Apocalipse os capítulos 2 e 3 mostram o estado de 7 Igrejas, com advertências e elogios a seus “anjos”.
No capítulo 6 de Isaías e no capítulo 4 de Apocalipse temos as fantásticas descrições do trono de Deus, seguidas de imprecações e castigos sobre Judá (em Isaías) e sobre o mundo (em Apocalipse).
O clímax do texto de Isaías está no perdão de seus pecados com a brasa trazida pelo querubim, no texto de João está na abertura do livro selado por dentro e por fora. Ou seja: Isaías vê o trono de Deus e se vê perdoado. João vê o trono de Deus e o Cordeiro abrindo o livro cujos selos correspondem a tragédias castigando os pecados da humanidade.

Três visões do mesmo evento, cada uma de pontos de vista diferentes. As duas primeiras (uma no templo e outra no exílio, na Babilônia) por profetas que tinham o mesmo ponto de vista dos que esperavam o Messias. A última no exílio em Patmos, por um apóstolo do Senhor. As três destacam a glória de Deus e a fragilidade pecaminosa do homem.

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